sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Nunca entrevistem alguém modesto



Entrevistar é um dos maiores prazeres de ser jornalista. Falo por mim, claro, mas acredito que quem não tem a curiosidade da pergunta, dificilmente pode ser jornalista. Na entrevista, a curiosidade da pergunta - que é diferente da curiosidade da resposta - pode tornar-se um frenético ping-pong ou o mais aterrador dos palcos. É garantidamente dos silêncios mais ensurdecedores aquele que se "ouve" a um entrevistado. Mas o que Marc Pachter nos traz nesta TED Talk, indo bem além do exercício do jornalismo, é absolutamente convergente com um sentimento que por vezes já expressei, nomeadamente quando modero uma conferência ou quando entrevisto alguém diante de uma assistência. Não há duas conferências ou entrevistas iguais, mas quando corre bem, fica um sentimento muito bom de realização. Cumpriu-se algo. Contou-se uma estória. Materializaram-se momentos que até aí existiam apenas na vivência do outro, o entrevistado. E nas vezes que isso acontece o meu sentimento, enquanto entrevistadora, é que nada disto está nos manuais de comunicação ou de jornalismo ou outros.A técnica só existe para nos podermos esquecer dela e numa entrevista, como diz Pachter, o que conta mesmo é a empatia. Empatia não significa subserviência ao entrevistado, nem colagem às suas posições. Significa que estabelecemos contacto, de alguma forma, e que chegámos ao outro lado. Pachter vai mais longe e diz que é determinante "sentir o que o outro tem para dizer" e tornar-se "agente dessa comunicação". Mais determinante, diria eu, é a sua observação sobre a saída da "concha" do "public self". "Todos nós temos infomercial de nós mesmo que é aquilo que publicamente dizemos que somos e que fazemos. A boa entrevista acontece quando nos tornamos privados, quando vamos além do infomercial". E não é nada fácil nesta mediocracia em que todos preparamos o nosso "statemeent", o testamos e ensaiamos.
Verdadeiramente extraordinária é a observação que este TED Talker faz sobre as pessoas que convidamos para uma entrevista. "Nunca convidem uma pessoa modesta. Os entrevistados têm de ser pessoas que acreditam que têm uma história interessante para contar e que a querem partilhar".
Marc Pachter foi responsável pelo projecto "Living Self Portraits" no Smithsonian onde entrevistou dezenas de pessoas imodestas cuja memória garantiu às gerações futuras. Eu não me importava mesmo nada de fazer o mesmo (a entrevista, bem entendido).

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

“Faço escolhas estúpidas por razões de conveniência ou preguiça tão básicas quanto o facto de ter o meu telemóvel mais perto de mim do que o PC”.



Não pagamos donativos, mas enviamos SMS

Perceber estes novos consumidores e reorganizar oferta de conteúdos e modelo de negócios é, todavia, tudo menos simples. Rory Sutherland, vice-chairman do Ogilvy Group, no Reino Unido, apresentou uma boa ilustração dessa evidência. “Veja-se o que se passa com as campanhas de responsabilidade social e o público jovem. Nenhum jovem faz donativos na rua ou nos eventos. Primeiro porque têm pouco dinheiro e precisam dele para a cerveja e afins, e depois porque os jovens consideram que essa é uma missão dos pais ou do Estado. No entanto, se a campanha lhes chegar ao telemóvel e bastar enviar um SMS contribuem em grande escala e nem pensam no dinheiro”. Conclusão: a escolha do canal, para efeitos de modelo de negócio, é tão decisiva quanto a escolha do conteúdo. Outro exemplo está na compra de mais velocidade/largura de banda: “o consumidor dispõe-se a pagar um upgrade de velocidade, mas acha inconcebível se lhe aumentarem o preco do conteúdo … que é na realidade o motivo porque quer mais velocidade”. Ou seja, há conteúdos que os consumidores acham impensável pagar num canal e que pagam sem problemas noutro e há conteúdos que é preciso empacotar com a plataforma certa para que seja retribuído o seu valor. “Faço escolhas estúpidas por razões de conveniência ou preguiça tão básicas quanto o facto de ter o meu telemóvel mais perto de mim do que o PC”.

"Who pays? Winners and Losers in the new economy".

Decorre hoje, 26 de Novembro, a I-COM National Roundtable que tem por objectivo lançar o debate sobre o futuro da medição dos Media On-line. Um tema mais pertinente do que nunca numa época em que se multiplicam conteúdos e questões sobre os modelos de negócio que os suportam.
Partilho aqui uma das conferências a que assisti no IBC, em Amsterdão, em Setembro deste ano (é o último audio na página cujo link anexo). O tema era "Who pays? Winners and Losers inthe new economy". Falou-se muito de televisão - 2 mil milhões de ecrãs no mundo inteiro e taxas de crescimento de 6% mesmo em ano de recessão produzem esse efeito. Mas nenhum dos conferencistas passou ao lado do tema que alimenta as maiores discussões: a convergência do broadcast e do broadband. Eram eles, os conferencistas: William Cooper, da Informitiv, Ed Shedd, Deloitte UK, Tom Marrods, Screen Digest e Gerry O'Sullivan, da SKy TV e responsável pelo canal 3D da operadora a quem coube as proféticas palavras: "os vencedores serão quem investir em conteúdos e em inovação e só o poderão fazer com um modelo de negócio sustentável".

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Do universo do “não pode ser” até ao mundo de possibilidades



A piada tem inúmeras versões e sempre uma lição que pode ser lida com ou sem cinismo. A história é sobre dois vendedores que no início do século passado vão vender sapatos para África. Um deles manda um telegrama em que diz: nada a fazer, eles não usam sapatos. O outro envia uma missiva em que afirma: grande oportunidade, eles não têm nenhuns sapatos! Benjamin Zander leva-nos numa viagem sobre o potencial humano e a escolha do universo em que queremos viver.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Empreendedores Sociais - "Oh Lord, won't you buy me a Mercedes Benz"

Nos anos 80 eu era uma garotinha. Foi o tempo da explosão yuppie que, com o nosso crónico atraso, chegou a Portugal mais no fim da década, devidamente embrulhada em fundos europeus e uma ilusão de modernidade paga com cartão de crédito. E de repente todos achámos natural comprar carros, comprar casas. No corporate world - coisa que até então nem sabíamos bem do que se tratava (ditaduras, PRECs e crises económicas mantiveram-nos ocupados com outras coisas por alguns anos ...) - os jovens ferozes começaram a o olhar para fora e para cima e a pensar no carrão que a subida hirárquica lhes compraria. Talvez não fosse o Mercedes da Janis Joplin, pelo menos para todos, mas conta a intenção.
Hoje estive a moderar um painel sobre empreendedorismo social na conferência da EWMD - European Women's Management Development International Network, liderada em Portugal pela Teresa Lacerda, e que teve lugar no ISEG. "LEADERSHIP IN THE 21ST CENTURY".Entre entrevistas e sessões de discussão, ocorreu-me uma estória que Belmiro de Azevedo usa como só ele sabe para retratar algum Portugal, infelizmente para todos nós ainda um Portugal com alguma dimensão (estória essa também recordada por Filipe Fernandes, no editorial da Revista Exame deste mês). A estória diz assim: o que perguntam dois ex-colegas de curso quando se encontram? A primeira pergunta é 'onde estás?' e só depois, e eventualmente, 'o que fazes?'.
O "cargo", a "empresa", o "status" têm raízes profundas numa cultura servir por demasiado tempo e daí resulta que em várias circunstâncias, a mesma pessoa pateta ou pouco interessante ou pouco qualificada possa passar a ser uma pessoa com potencial, muito interessante e competente - tudo dependendo de "onde está". Façam esse exercício - escrevam numa folha o nome de pessoas que conhecem profissionalmente em lugares "importantes", noutra coluna escrevam honestamente o que pensam e sentem em relação a essa pessoa, e numa terceira coluna aquilo que comummente dizem ou ouvem dizer dela. Também vale fazer o exercício inverso - pensem em pessoas que (re)conhecem pelo que "fazem" e avaliem o que valem por isso mesmo e, já agora, como são (ou não) (re)conhecidas no mercado.
O que me leva ao tema do painel que moderei, sobre empreendedores sociais. A expressão pode soar a moda, mas a realidade é que há um movimento efectivo e determinado de pessoas "com potencial, interessantes e competentes" que optam por trabalhar no dito 3º Sector e viver profissionalmente as causas e as frustrações de quem lida com os problemas sociais. Contei com a participação no meu painel do Rui Martins, da Dianova, e da Sandra Almeida, da Fundação Aga Khan e esteve longe de ser um debate convencional ou monótono. O Rui levou até à audiência a estória de uma organização que consegue ajudar pessoas com problemas de drogas e não depender de caridade, aplicando os princípios da gestão e desafiando a criatividade diariamente. A Sandra trouxe-nos a frescura e a paixão de quem está a "fazer" algo porque simplesmente acredita. Como eles os dois, milhares de pessoas no mundo inteiro "estão a fazer" independentemente de "onde estão". E isso implica trabalhar com comunidades carenciadas, muitas delas invisíveis, um país de pessoas anónimas que só por mera graça da sorte ou do telejornal recebem honras e atenção. Em todos os outros dias, os Ruis e as Sandras estão lá, à procura de soluções, a procurar perceber como usar a criatividade própria de quem não tem nada e transformá-la em alguma coisa de positivo, a planear actividades e projectos com orçamentos em regras curtos e aquém do necessário, a explorar oportunidades e a aplicar ideias novas. E ainda, no fim de muitos dias, a usar uma dose extra de tempo, energia e motivação para superar as frustrações, os desencantos, o fim de linha e regressar no dia seguinte.
Se isto não é uma boa inspiração para qualquer empreendedor, qualquer gestor, qualquer líder, onde quer que esteja, definitivamente algo está muito errado.
Sobretudo, porque este movimento de empreendedorismo social é verdadeiramente transversal - está a acontecer um pouco por todo o mundo, é inter-geracional e conquista um número crescente de "cabeças" ao dito corporate world. O que atrai esta gente toda? Ser parte da solução em vez do problema, usar a criatividade e a capacidade para mudar realmente alguma coisa e sobretudo esse sentimento inexplicavelmente único de fazer bem.
A diferença face a outros tempos? São melhor preparados, trazem outras competências profissionais e pessoais e estão interessados em aplicá-las ao universo social. O que nos pode permitir sonhar que melhores tempos virão. Ah, uma pequena mas importante nota: é que também podem, como bem lembrou o Rui Martins, ter o Mercedes à porta. Afinal, também isso está a mudar e já não é pecado conseguir viver e trabalhar na área social e não passar o tempo de mão estendida.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

TED -25 anos antes de tempo


Amanhã realiza-se em Lisboa a TEDxEdges, um formato construído a partir das TED Talks originais (www.ted.com) e que resulta da adesão mundial a esta rede de conhecimento e criatividade.Pode parecer absolutamente óbvio que pensadores das mais diferentes esferas de conhecimento e actividade partilhem o que sabem e o que fazem com o mundo. Não é. É reconhecidamente necessário, cada vez mais necessário, mas não é óbvio. Menos o era em 1984 quando o fundador das TED Talks, Richard Saul Wurman, avançou com esta ideia doida de juntar gente da Tecnologia, Entertainment e Design e partilhar as suas visões e trabalhos. Não se tratava de uma gente qualquer - um dos requisitos é que não fossem "os do costume", os que estão lá porque fica bem ou meramente para fazer, como hoje se diz, apenas networking pessoal. A ideia era que fosse uma network sim mas de conhecimento e inspiração. E foi isso que foi, 10 anos antes da internet, 20 anos do YouTube, mas já com a visão que era importante registar em filme para que nada se perdesse. É essa enorme generosidade e verdadeira criatividade que chega amanhã a Lisboa, com o selo de um trabalho de 25 anos.
Aqui fica a primeira TED Talk. Nicholas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, também ele um visionário que em 1984 já arriscava prospecção criativa em territórios hoje mass market.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Menos é mais? ou porque ainda bem que não podermos ter tudo

Há uns tempos uma amiga contava-me com alguma irritação que tentara pedir uma água num café e que o empregado insistia em lhe apresentar um vasto menu de opções. Com ou sem gás, natural ou fresca são opções do passado; hoje qualquer marca que se preze tem pelo menos uma dezena de sabores, mais outra dezena de aditivos especiais que fazem bem a algum aspecto da saúde, entre outras particularidades. A minha amiga terminou a conversa com o empenhado empregado do café dizendo: "posso ter uma água só a saber a água?"

Os estudos mostram que nunca como hoje tivemos tanta escolha. Não apenas de produtos, mas de tudo na vida. Como queremos viver, que aspecto físico queremos ter, como ocupamos o tempo, que "estilo" de pessoa somos, se temos filhos, se nos casamos, enfim, you name it ... Na verdade, nada disso nos está a fazer mais feliz. E é compreensível.

Vejamos. 285 marcas de bolachas. 230 marcas de sopas. 75 de ice teas. 275 de cereais. 40 de pastas de dentes. 50 de DVDs players. São estes os números que nos torturam. Como se escolhe quando há tanto por onde escolher? O que fazemos nesta era da abundância onde podemos ter tudo e em todas as cores?

A questão é exactamente essa. We can't have it all! É isso que o psicólogo Barry Schwartz nos explica nesta conversa. Actualmente o nosso problema - pelo menos os "nós" do mundo ocidental - não são os recursos à nossa disposição para nos podermos realizar. Dos básicos como a alimentação, a casa e a roupa aos mais sofisticados, como entretenimento e desenvolvimento intelectual, o menu, como nas águas, é vastíssimo e a liberdade para escolher é um valor garantido.

O que nos atormenta é como escolher entre tantos recursos, ao ponto de, quando escolhemos um, imediatamente iniciarmos a nossa infelicidade em vez da satisfação pelo seu usufruto. Porque escolher entre um ou entre 1000 implica sempre deixar algo de fora, mas quanto maior a escolha maior a nossa certeza que "devemos estar a perder alguma coisa".

Na realidade não é bem assim. Estudos realizados, por exemplo, com a degustação e promoção de compotas nos hipermercados mostram resultados curiosos. Quando a oferta é de 24 sabores de compotas - conseguem imaginar 24 sabores!!! - as pessoas experimentam mais do que quando apenas existem 6 sabores. Mas, curiosamente, isso não se traduz em vendas, uma vez que só 1/10 efectivamente compra. Outros estudos, de carácter neuro-biológico, revelam em paralelo que 6 ou 7 combinações são o máximo que o nosso cérebro consegue memorizar - daí serem o número kármico em tantas funcionalidades do dia-a-dia.

No livro "Blink" sobre os nossos processos de decisão quando pensamos sem pensar, Malcolm Gladwell refere a certo ponto que "aceitamos como um dado adquirido que quanto mais informação o decisor tiver, melhor decide". Todavia, vários estudos demonstram exactamente o oposto: toda a informação a mais não é realmente uma vantagem; na realidade é preciso saber muito pouco de um fenómeno complexo para descobrir o padrão subjacente.

Voltando às escolhas e ao tormento que nos causam. O inimigo somos nós quando acreditamos que podemos ter tudo. Não podemos e isso são boas notícias. É na auto-limitação e não nas opções ilimitadas que encontramos o que nos faz felizes. Schwartz apresenta o melhor indicador: o que mais feliz nos faz são as relações realmente próximas que estabelecemos com os outros. Por definição, não conseguimos ser próximos de toda a gente, o que em sim já é uma opção. Mas, mais do que isso, quando nos auto-limitamos por causa de outra pessoa de quem gostamos somos felizes nessa auto-limitação em vez de infelizes por termos feito uma escolha e excluído nesse momento múltiplas combinações de felicidade potencial que na realidade somos incapazes de vivem em simultâneo.


quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Leonard Cohen. I'm your man.Boas Férias

Take all your blessings.
And if you have to fall, fall for the side of the Luck. (or Love)
Enjoy the weather (but take care with the summer cold)
And above all - and most difficult
Be Kind

Leonard Cohen
Lisboa 2009

quinta-feira, 16 de julho de 2009

"Never surrender, never give up"

(artigo publicado no Jornal de Negócios de 8 de Julho de 2009)
Por que as empresas devem aprender com a Roma republicana
"Never surrender, never give up". A persistência, a par com o respeito pela lei e o desejo de independência, são os grandes valores da Roma Republicana que devem inspirar os gestores de hoje. Para António Ortega, ex-quadro do BBVA e autor de livros de gestão, mais importante que o líder é a organização. E foi a pensar assim que a Roma republicana perdurou 500 anos.

Os líderes querem-se humildes e sem vaidade, porque a organização deve estar à frente do indivíduo. E quando os líderes querem deixar a sua marca, é muito natural "que façam disparates" e que "deixem de ouvir os outros". Os modelos a seguir não são os de Jack Welch, tão pouco o de Steve Jobs. Talvez Bill Gates se aproxime de um ideal que promete o futuro da empresa independentemente do líder.

António Ortega Parra foi, durante anos, alto quadro do BBVA e é desde que se lembra um apaixonado por História. É assim natural que os seus livros remetam, inevitavelmente, para os ensinamentos que as empresas podem retirar das lições de outras épocas. Esteve em Lisboa a convite da AESE num seminário sobre Gestão de Talento e foi contundente na sua convicção: não precisamos de líderes carismáticos.

O que é que a Roma antiga tem a ver com as organizações modernas?
Roma antiga está, na realidade, dividida em três períodos: um primeiro período, rural, pouco conhecido, depois o período da república romana, que dura aproximadamente 500 anos, e depois vem o império, que é outra coisa. O período da república é o que me interessa mais, pois considero que tem alguns valores que são transponíveis para as empresas modernas. Afinal, foi uma organização que teve êxito durante 500 anos, portanto as empresas de hoje devem ter algo a aprender com essa experiência.

E qual é a origem desse êxito?
No início tem de existir uma missão clara. A missão de Roma encontrei-a escrita na Eneida, de Virgílio: "... e tu, romano, lembra-te da tua missão. Ir liderando os povos sob a tua lei". Isto é absolutamente idêntico ao que qualquer companhia pode determinar como missão quando pretende liderar no seu mercado. Conquista todos os mercados, seja nas telecomunicações, na banca, nos transportes...

Roma é conhecida pelos seus legados: as infraestruturas de comunicação, a língua comum, o latim, e a emergência das grandes cidades. Hoje também poderíamos fazer um paralelismo com uma infraestrutura mundial que é a internet, uma língua universal que é o inglês e a existência de capitais mundiais como Londres, Nova Iorque ou Xangai?
É perfeitamente possível, apesar de no meu livro abordar outra vertente. As infraestruturas, sejam estradas, pontes ou Internet, são ferramentas; a língua é também uma ferramenta de comunicação. Para mim, o importante não é a mudança tecnológica a que temos assistido. O importante é o pensamento. Numa empresa, o importante não é a tecnologia, é o que se faz com a tecnologia. As mesmas tecnologias podem ser bem ou mal usadas. As ferramentas têm de servir a um propósito. Roma tinha muito bem definida a missão, o propósito, e depois igualmente importante era a cultura corporativa.

No seu livro, centra-se especialmente na importância da cultura corporativa ...
Que valores tenho eu de ter para cumprir a minha missão? Roma tinha três valores fundamentais. O primeiro era não se rendia nunca. "Never surrender, never give up". Imagine-se uma empresa, nos dias de hoje, que não se dê nunca por vencida. Que mesmo em época de adversidade, como a que estamos a viver, insista e se esforce por seguir em frente. Este era um princípio fundamental de Roma: não se rende. É uma questão de perseverança e de ser obstinado. O segundo tem a ver com o direito: a lei respeita-se sempre. Roma nutria um grande respeito pelo direito e pelo seu cumprimento - se assim não fosse, a lei romana não tinha chegado até aos nossos dias. Ninguém se lembra do direito egípcio ou sumério, pois não? O terceiro valor é a independência: os romanos queriam ser independentes, não queriam estar dependentes do poder duma só pessoa de forma vitalícia. Por isso, criaram uma estrutura na sua classe politica que se renovava todos os anos e todos tinham os mesmos comportamentos. O importante não era o líder pessoal, era a própria instituição que liderava. Não importava quem era o líder num ano, porque sabiam que no ano seguinte seria outra pessoa - o importante é fosse qual fosse o líder actuava de acordo com os mesmos procedimentos, convicções e compromisso. Por isso, da Roma Republicana não conhecemos quase nenhum líder. Costumo exagerar dizendo que quando nos lembramos de algum é de Júlio César que foi quem acabou com a República e deu início à Roma imperial. Durante 500 anos, dois cônsules diferentes cada ano lideravam.

Porque razão é que considera apenas a Roma Republicana um bom exemplo para as empresas modernas e não a Roma imperial?
Porque a Roma imperial assenta precisamente no conceito de liderança pessoal. E, na minha perspectiva, a liderança pessoal, sobretudo quando o líder é carismático, não é aconselhável. O meu livro anterior foi sobre Alexandre, o Grande e temos aí um grande exemplo de um líder carismático. Tudo o que depende da liderança de uma pessoa, com cujo final, mais cedo ou mais tarde, a instituição acaba, parece-me um perigo claro. É muito melhor dotar toda a organização de um programa de desenvolvimento que se reflicta em todos os estratos da organização e de onde possam sair vários líderes.

Mas no topo da hierarquia só há lugar para o líder?
Sim, mas esse lugar renova-se e quando alguém se vai embora, não se nota.

Isso não um pouco contra-natura? Não é humano que um líder queira deixar a sua marca?
Uma das condições da liderança deveria ser a humildade. Quando alguém quer deixar a sua marca, geralmente faz algum disparate. Os romanos fizeram disparates fabulosos com alguns monumentos em honra do imperador. Hoje em dia, seria algo como construir um edifício-sede enorme na avenida da Liberdade para deixar a marca de um líder. 

Mas há exemplos de líderes carismáticos cuja sucessão nas organizações correu bem. Jack Welch, na General Electric.
Jack Welch foi bastante criticado depois de ter saído da GE ...

Mas a empresa não perdeu liderança.
Sem dúvida, a GE tornou-se uma empresa de êxito com o Jack Welch que a converteu numa grande empresa, seguramente a primeira grande empresa mundial. Os problemas com Jack Welch vieram depois, quando se tornaram conhecidas as condições de regulação, entre outras. Mas que é frequente acontecer com os líderes carismáticos.

Para seguir o modelo da Roma republicana, não pagarão as empresas como preço não terem líderes carismáticos nunca?
Mas não queremos ter líderes carismáticos.

Não?
Não. As teorias de liderança mais modernas demonstram que o líder carismático não é confiável no longo prazo. O problema de Alexandre, o Grande, que foi um grande líder durante um determinado período, está na sua natureza: conquistou a Pérsia e depois quis conquistar a Índia, que não conhecia, e fracassou.
Júlio César, que também era um grande líder, nunca se devia ter tornado num ditador - custou-lhe a vida e a Roma custou a república. Napoleão a mesma coisa. O líder carismático, a certo ponto, perde o contacto com a realidade e faz este tipo de coisas.
O problema do líder carismático é a vaidade. E quando se torna tão vaidoso que se considera dono de toda a verdade, já não escuta nada nem ninguém e comete erros.

O que recomenda aos gestores sobre a gestão de talento nas organizações modernas? Como podem ter culturas fortes, vencedoras e lideranças que perdurem?
Nestes momentos de crise, recomendo quatro coisas que em espanhol começam todas por um "R". A primeira é realismo na análise. Temos de ser capazes na nossa empresa de determinar qual é a situação em que estamos e como está o nosso mercado. A segunda é reformular a estratégia, porque precisamos de saber se podemos continuar a fazer as coisas da mesma forma ou se se exige outra abordagem. O terceiro "R" é rigor nas operações, temos de ser rigorosos no cumprimento dos objectivos, porque não há margem para o erro. O quarto ponto é renovação do compromisso. Nos momentos difíceis é quando as empresas mais precisam que os empregados se comprometam com a organização e, atenção, que a organização se comprometa com as pessoas também. Os romanos faziam o juramento, em que uns e outros se comprometiam. Esta é para mim a receita nos tempos que estamos vivendo.

Que bons exemplos encontra nas empresas modernas deste espírito da Roma republicana?
Ia dizer uma empresa, mas é óbvia, estou influenciado porque pertenci a essa organização durante vários anos, apesar de hoje já não estar ligado, o BBVA.

Mas pensando em algumas das empresas com mais êxito nos dias de hoje, como a Apple, de Steve Jobs, estamos perante o oposto da Roma republicana?
Sim, Jobs é seguramente o oposto.

E a arqui-rival Microsoft, com Bill Gates?
A Microsoft é diferente. No final, o que fez Bill Gates? Saiu da empresa. E a mim parece-me um acto de inteligência extraordinária. Ele podia ter continuado e ser o imperador. Mas há vários outros exemplos e há uma boa forma de os identificar: pense em empresas e líderes que estando no poder são capazes de renunciar ao poder ou a parte do poder.

Como se interessou por esta comparação entre a História e as empresas modernas?
Estou um pouco louco, sabe (risos)... Gosto muito de História e parece-me que o pensamento humano não mudou assim tanto. Estamos sempre a olhar para o futuro à procura de coisas novas e muitas vezes não nos damos conta que seguimos os passos de uma civilização construída há muito no nosso passado. A filosofia grega, a religião católica e o direito romano. São os três pilares dos últimos 2500 anos. E quando se lêem os clássicos, por exemplo quando se lê um discurso de Alexandre, o Grande, percebemos que podia ser o mesmo discurso de um presidente de uma grande empresa de hoje, como Bill Gates. Sobre organização, os valores, o esforço, a honestidade, a ambição, a proactividade.

Podemos considerar que os empreendedores podem - e devem - ser carismáticos, como Alexandre, o Grande, mas que uma vez as conquistas realizadas devem saber gerir em equipa, como a Roma republicana?
É verdade essa observação, tem muito a ver com o ciclo de vida da empresa. Um empreendedor, no momento da fundação da empresa, pode ser carismático. Mas, no momento de consolidação da empresa, deve ter competências mais serenas e em momentos de crise deve olhar aos quatro "r". É o ciclo de vida da empresa que deve determinar as competências do líder. Não há um líder para todas as estações. Churchill ganhou a guerra e não conseguiu ganhar as eleições seguintes: foi capaz de vencer na guerra e não foi capaz de gerir a paz.

domingo, 5 de julho de 2009

Emigrantes digitais ultrapassam os nativos digitais - ou seja, os pais já estão mais na internet do que os filhos. Ainda não em Portugal

Na sexta-feira teve lugar na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa a apresentação do estudo EU Kids Online, coordenado em Portugal pela Professora Cristina Ponte, que ao longo de 3 anos avaliou a forma como crianças e jovens da União Europeia se comportam "na" e "com" a Internet.
Primeira novidade, apesar de relativamente expectável: as crianças entram cada vez mais cedo "rede"; o pique de entrada eram os 12-13 anos, em 2005, hoje são os 10-11 anos. Há cada vez menos diferenças entre rapazes e raparigas, mas em contrapartida os estudos indicam que podem acentuar-se diferenças em função do nível socio-económico da família.
Novidade a fazer pensar é que, no âmbitos dos 27 países da UE, em média, já são mais os pais do que os filhos a usar a internet (84% versus 75%, invertendo a anterior tendência de 66% para 70%). A geração de "emigrantes" digitais bate pela primeira vez os "nativos" digitais. Portugal é uma excepção à regra neste domínio - por cá, ainda são os filhos quem mais usa a internet.
O que fazem as crianças e os jovens online? Aquilo que quem acompanha mais de perto esta realidade sabe ou suspeita (seja como pai, educador, investigador ou mero cidadão observador), mas que muitas famílias ignoram: entretenimento jogos e diversão; comunicação online, redes sociais e troca de experiências; obtenção de informação e recursos educativos. O que o estudo EU Kids Online nos deixa para pensar é o facto, também apurado, de que os pais "subestimam" o papel da internet enquanto meio de socialização através, nomeadamente das redes sociais, e também a vertente de entretenimento e "sobrestimam" a componente informativa/ educativa. A coordenadora do estudo, Sonia Livingstone, da London School of Economics, fala de uma "escada de oportunidades" que vai da procura básica de informação, aos jogos e email, ao Instant Messenger e ao uso criativo/upload.
Entre os riscos mais comuns, também estão os que se esperam. Dar informação de carácter pessoal lidera a lista, segue-se o risco da pornografia, conteúdos violentos, comentários sexuais, ser importunado online e encontrar-se com alguém que conheceu na net. Por género, os investigadores descortinam que os rapazes são mais passíveis de ser expostos a conteúdos pornográficos e/ou violentos, dão mais facilmente informação pessoal e é mais fácil que se encontrem com alguém que conheceram online. As raparigas, por seu lado, são mais disponíveis para correr o risco de falar online com estranhos, recebem mais comentários sexuais e pedidos de informação pessoal. À medida que sobem na idade, os riscos também crescem. Portugal está no grupo de países considerados de risco médio, em termos globais; Inglaterra, Holanda, Noruega e os novos países do Leste estão no grupo de risco mais elevado.
O professor José Alberto Simões, da FCS, que apresentou o estudo, lembra a propósito que "é preciso correr riscos para ter oportunidades" e toda a conferência decorreu sob o tema, patente ou latente, do não alarmismo e da devida contextualização dos chamados "perigos" da internet.
Os investigadores chamam ainda a atenção para o facto de continuar a existir pouca informação sobre os novos conteúdos e as novas plataformas, nomeadamente o telemóvel e estão convencidos que, em Portugal, muitos dos pais não fazem ideia do que os filhos fazem online.
A psicóloga Margarida Matos, da Faculdade de Motricidade Humana, sublinhou a necessidade de ser ter cabeça fria - sem exacerbar medos e perigos. "O adulto actual está a viver uma viragem histórica, talvez só comparável com a da invenção da escrita, porque não pode ser modelo para a geração que vem atrás", dizia. Mas, acrescentou, "não esqueçamos a experiência". E que melhor exemplo que o dos seus alunos universitários, literalmente "afundados" em informação, com centenas de PDFs que nunca conseguirão ler e que precisam da ajuda da experiência (professor) para saber organizar um trabalho.
No capítulo dos medos e mitos, as redes sociais também devem ser vistas como oportunidades para cada jovem "abrilhantar" as qualidades sociais, da mesma maneira que os jogos desenvolvem a percepção, liderança, observação. E, last but not the least, o nível educacional, que é mais importante do que o dinheiro quando se trata de saúde pública, também na protecção na internet parece desempenhar o mesmo papel.
A tecnologia não é nada óbvia, reiterou o professor Manuel Pinho, da Universidade do Minho, frisando uma ideia cada vez mais evidente: "não basta aceder à internet; é um requisito, mas está longe de significar sucesso".

Recomendações para políticas públicas
Do estudo EU Kids Online resultou um conjunto de recomendações que envolvem Governos, famílias, escolas, cidadãos e empresas.
- O grau de difusão da internet influencia, naturalmente, o acesso por parte de crianças. Quando o acesso se generaliza esbatem-se as diferenças socio-económicas e promove-se maior igualdade;
- As políticas de e-inclusão devem incidir sobretudo em países em que o uso da internet por parte de crianças é ainda baixo, como Itália, Grécia e Chipre;
- A fluência em língua inglesa tende a ser superior na Europa do Norte - é possível que um maior acesso ao conteúdo em língua inglesa aumente tanto as oportunidades como os riscos;
- Existem indicações que a presença de um forte serviço público audiovisual ou de outros fornecedores públicos de conteúdos para crianças desempenha um papel importante;
- O excessivo foco mediático sobre os riscos online e não sobre as oportunidades pode aumentar a ansiedade dos pais face ao uso da internet pelas crianças; a combinação em alguns países desta ansiedade com a baixa utilização por parte dos pais pode exacerbar a noção dos perigos;
- Pouco se sabe sobre os modos como a cultura de pares medeia a utilização da internet pelas crianças;
- Equilibrar a capacitação e a protecção é crucial; as estratégias para diminuir os riscos podem restringir as oportunidades, podendo prejudicar os direitos das crianças ou limitar a sua aprendizagem para lidar com um determinado grau de risco

Recomendações sobre Riscos
- Há boas razões para reforçar a regulação em toda a Europa, uma vez que grande parte das crianças estão a encontrar riscos em conteúdos, contactos e condutas
- Deve ser estimulada uma disposição auto-reguladora na melhoria da segurança das ciranças (da mesma forma em que as crianças só podem ser ensinadas a atravessar a estrada onde os condutores e a condução estejam cuidadosamente regulados)
- Quando aumenta o acesso nacional à internet, aumenta a auto-regulação por parte da indústria, incluindo o fornecimento de informações seguras pelos ISP
- Prioridades para futuras acções de sensibilização: Portugal não sendo de risco elevado figura nesta lista por se enquadrar no grupo de países onde o acesso crecseu muito mais rapidamente que as competências e pelo facto de as crianças usarem mais a internet que os pais
- As acções de sensibilização devem centrar-se em crianças mais novas e em novos riscos associados a novos conteúdos/novas plataformas


Para saber mais sobre o EU Kids Online:
http://www2.fcsh.unl.pt/eukidsonline/

Para uma perspectiva sobre o papel dos pais na relação das crianças com a Internet:
http://vitormagalhaes.com/index.php/2009/04/09/magalhaes-parte-2-controlo-parental-e-os-futuros-infoexcluidos/

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Tapscott acredita que Portugal é exemplo para Obama - verdades e consequências

O homem inventou a politica para deixar de obedecer a outro homem, obedecendo em alternativa a uma abstracção, uma ideia de poder superior exercido em nome de um bem comum. A ciência politica explica estas coisas e explica também que a politica e as politicas precisam de homens concretos. Ou, como também já foi dito por uma das nossas mulheres de direito, Maria José Morgado, o problema não está nas leis (referia-se ao combate á corrupção ...), o problema está nos homens e mulheres que aplicam essas leis.
Eis que um dos mais interessantes pensadores da era digital escreve um artigo no seu blogue que torna esta discussão, uma vez mais, pertinente. Don Tapscott, autor de Wikinomics, Growing Up Digital e Grown Up Digital, é um apaixonado por Portugal. Começa por estar casado com uma portuguesa – o que é um bom princípio. Depois gosta de pasteis de nata e, last but not the least, gosta efectivamente do pais que conhece, sem dúvida, bem melhor que tantos outros gurus que apenas percorreram o corredor do aeroporto ao Ritz. E, dito isto, é este também o pensador que, na semana passada, recomendou a Barack Obama que colocasse os olhos em Portugal se queria ter uma visão inspiradora sobre como revolucionar a educação.

Pois ... apesar do profundo conhecimento dos temas da geração digital e inclusive de algum conhecimento efectivo sobre Portugal, existem as ideias e existem os homens, as mulheres e, neste caso, também as crianças e os jovens concretos. Os homens e as mulheres concretos que desenharam e implementaram o programa e-escola e e-escolinha e o líder desse projecto, o homem concreto que chefia o Governo português, leram os livros certos, fizeram a pesquisa certa e, sejamos também justos, tiveram a coragem de levar à prática uma série de conceitos que estavam em case-studies e manuais. E isso é bom. Mas os conceitos são os tais “parafusos mentais” que nos ajudam a montar um determinado engenho, mas não são a garantia do engenho funcionar.
Don Tapscott esteve em Portugal em Fevereiro deste ano e apresentou muito mais que “parafusos mentais”. Trouxe casos de pessoas concretas que ilustram bem o quanto mundo está a mudar e nos desafiam a pensar em formas de fazer esses ventos de mudança funcionar a nosso favor. Em particular, o caso o aluno brilhante que nunca tinha lido um livro na vida e que se preparava para fazer mestrado em Oxford deu que pensar a muitos, a mim, confesso que me impressionou particularmente.
Mas esse é o (re)conhecido poder do storytelling, da narrativa, um poder ancestral agora redescoberto como moda de gestão.
Na vida de todos os dias, a questão é saber como usar ideias fascinantes e desafiadoras como a da aprendizagem colaborativa, da aula como espaço de interacção e de criação, entre outras, em realidades efectivas que conquistem os alunos para o saber e para o conhecimento, reduzam o abandono e/ou desinteresse escolar e, mais do que isso, criem cidadãos mais aptos a usar em benefício próprio e da comunidade as “ferramentas” da era fantástica em que vivemos.
Como é que isso se faz?
Ninguém tem respostas absolutas. Estamos todos a aprender. Pessoalmente, tenho estado envolvida em diversos projectos de desenvolvimento de conteúdos para crianças e jovens e conheço bem as dificuldades. Quanto mais “tecnologia”, “conteúdo”, “plataformas”, mais difícil. É preciso escolher, testar, colocar permanentemente perguntas difíceis, estar disposto a aceitar o erro, mudar quando se erra e aceitar como regra que ... não há regra. Nesse trabalho, moroso, complexo, de formiga, os programas e-escolas e e-escolinhas não poderiam ser nunca um ponto de chegada. Serão, em justiça, um ponto de partida. Qualquer pai, educador e até mesmo uma criança de 7 anos consegue responder sem dificuldade a Tapscott que o país que ele retratou não é o mesmo em que vivem todos os dias. Mas será que não podemos concretizar esse pais? Talvez possamos todos sonhar um pouco mais, fazer um pouco mais e deixar essa propensão também tão nossa para encolher os ombros e dizer que não há nada a fazer.
Algumas mentes avisadas têm defendido que um dos problemas da educação é o facto de não ser uma obra de resultados imediatos. Não é como lançar empreitada a mais uma estrada e vê-la, meses ou na pior das hipóteses um ou dois anos depois, estar concluída e inaugurada com pompa e circunstância.
Na educação, o horizonte mínimo de trabalho é o de um ciclo completo de formação, qualquer coisa como 20 anos. São 5 legislaturas. São 5 (ou mais) estruturas dirigentes. São 20 turmas para um professor. É uma maratona. Precisamos estar dispostos a corrê-la e não faz mal começarmos com a pompa e circunstância que levar computadores a crianças pequenas sempre traz. Desde que esse seja um princípio e não um fim em si mesmo.
Vale a pena ouvir a professora Teresa Marques, que ensina Matemática e Ciências aos alunos do 5º e 6º ano e que foi em Portugal uma das percurssoras da utilização da linguagem criada no MIT, o Scratch, para que as crianças comecem desde cedo a perceber a lógica da programação e da criação digital. Pacientemente ao longo de cada ano lectivo, já vão cerca de quatro, a Teresa constrói com os seus alunos desafios e usa a máquina e a tecnologia para obter respostas e lançar novas perguntas. Acredita que o grande desafio dos professores é aprenderem mais rápido do que os alunos, pois só assim podem ajudar os alunos a também eles apreenderem mais rápido. Debate-se com os problemas de tantos professores, falta de tempo, espaço e recursos limitados, não, não é o pais do Tapscott. Mas ela está lá, todos os dias e eu bem gostava que os meus filhos estudassem com alguém assim.
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P.S. - Este vídeo é uma reportagem realizada pela minha equipa no âmbito do projecto desenvolvido para a Portugal Telecom / Portal Sapo e que consistiu na criação do Sapo Kids.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quando não sabemos ganhar ... temos de perder para voltar a vencer



Na semana dos feriados fui assistir ao terceiro torneio de ténis do meu filho de 12 anos. Entrou este ano na competição, está motivadíssimo, não falta um treino, gasta a televisão a ver todos os jogos que pode, toma notas empenhadamente num caderninho e acredito que os momentos mais felizes da semana são quando entra no court. Ficou em 5º lugar no primeiro torneio que jogou, venceu o 2ª torneio contra um jogador 3 anos mais velho e foi assim que chegou a este 3º torneio, o primeiro fora de casa, jogando em St Julians. Como todas as mães e pais, não conheço melhor remédio para a ignorância mais profunda sobre um tema do que esse conhecimento ser importante para o nosso filho ou filha. E tem sido assim que tenho aprendido sobre ténis, ainda com muitas dúvidas sobre winner points, outs e aqueles diferenciais malucos que garantem ganhar finalmente uma partida.
Nesta quarta-feira, sentada ao lado da professora do meu filho, fui observando. O Miguel, assim se chama o meu tenista, tem boa condição física, lê bem a sua posição no terreno e, sobretudo, vive uma época de graça, de grande paixão pelo que faz. Tudo ajuda a que as coisas lhe vão correndo bem. Com um senão. O mesmo rapaz tenista que se desembaraça bem com adversários do mesmo nível, mas com menos técnica ou mesmo de nível superior, vai-se completamente abaixo ... quando está a ganhar. Estranho? Talvez não seja assim tanto. Numa das partidas deste torneio, aquela que o eliminou, a professora comentava baixinho: há pessoas que têm mais dificuldade quando ganham do que quando perdem. O meu filho é assim - acusa a pressão de estar a ganhar, ao invés de quando perde que até come areia se for preciso. Espero, atendendo a que é ainda uma criança, que vá muito a tempo de se conhecer melhor e de se vencer a si mesmo. Porque não há pior adversário do que nós próprios.
Hoje o Miguel faz anos e este vídeo, que é sobre empresas, gestão, mas sobretudo natureza humana, é também para ele.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Piratas no Parlamento Europeu


Há coisas estranhas e esta é uma delas. Estou a escrever este post pela terceira vez. Nunca me tinha acontecido. Ontem ecrevi o posto original - e desapareceu. Hoje reescrevi o post, quis publicar e deu erro, garanti a gravação nos rascunhos e ... desapareceu. Decerto há uma explicação, quando mais não seja que o Google não morre de amores pelos Piratas da Internet, tema deste artigo.
Mas vou reincidir, sabendo de antemão que quem escreve e reescreve perde sempre um ponto, algum ponto.
Saímos de uma noite eleitoral sobre eleições na Europa em que, uma vez mais, se conseguiu a proeza de não falar de Europa. Os poucos que, meritoriamente, introduziram o tema foi tão somente para mostrarem que tinha sido um não tema.
Mas, seguindo a máxima de Carl Sagan que a ausência de evidências não é a evidência da ausência, sabemos que a Europa continua lá, ou cá como preferirem.
Uma notícia de um país dessa Europa, a Suécia, constitui um bpm ponto de partida para olharmos mais de perto para esse tema enigmático que é a pergunta: porque não votam os eleitores?

O Partido dos Piratas, ligado ao "site" de troca gratuita de filmes e vídeos na Internet Pirate Bay conseguiu 7,1 por cento dos votos nas eleições europeias na Suécia, segundo resultados parciais, e irá então estar representado no Parlamento Europeu.

Ou seja, na Suécia, vários milhares de eleitores deslocaram-se do conforto dos seus lares e da sua vidinha até a uma secção de voto para eleger os seus Piratas.
Numa Europa em que, compreensivelmente, a maioria dos jovens entre os 18 aos 24 anos não esboça outro gesto que não de bocejo face ao tema eleições europeias, será importante perceber a idade destes votantes e talvez a partir daí enriquecer um pouco mais o debate.
Em rigor, deveríamos sentir algum orgulho deste gigantesco bocejo com os jovens brindam a classe política. É verdade que amarga a nossa memória da história e da luta de outros que já foram jovens como eles pelo direito a votar, a participar, a decidir. Mas, à luz da História de hoje, não deixa de ser um sinal senão de inteligência, pelo menos de de uma capacidade residente de não-identificação com o produto em que a geração política actual insiste em transformar a nossa vida em comum, a noss vida pública.
Em rigor, entre um jovem que despreza o debate europeu como se lhe é apresentado e os jovens da "juke box" do Paulo Rangel, como chamou Bruno Nogueira aos jovens "jotas" que se apressaram a fazer coro ao candidato vitorioso, colocando-se estrategicamente atrás do mesmo assim que as câmaras tv foram apontadas, alguém são de espírito pode ter dúvidas?
Aliás, valham os humoristas no nosso debate político porque senão também não teríamos saído do ar genuinamente ensaiado com que a classe analisa a abstenção de mais 60% e a indiferença dos eleitores. Acreditam mesmo que estão a falar com as pessoas, acreditam que à excepção do capital "insatisfação" (com tudo e com todos) conseguiram passar mais alguma mensagem? Valha por isso também a análise de Ricardo Araújo Pereira, em papel de comentador SIC, quando aludia à vitória do PSD como uma espécie de Taça da Liga. Ele que até é um benfiquista. Mas aqueles jovens atrás de Rangel estavam sem dúvida inspirados num qualquer derby futebolístico. Podemos mesmo levar a mal aos que bocejam?

A boa notícia, se assim o quisermos ver, é que Carl Sagan tem razão. Não há evidência de ausência de Europa, mesmo que falte quase tudo para fazer regressar o debate político, Europa incluída, à vida das pessoas. A eleição do Partido dos Piratas traz-nos de volta ao dia-a-dia. E no dia-a-dia há pessoas preocupadas com a qualidade da sua vida online, onde todos passamos cada vez mais tempo, pessoas empenhadas em estar contra ou favor do uso livre/roubo de conteúdos na internet, e há um partido que chega assim ao Parlamento Europeu. Porque tem a ver com a vida das pessoas, o que independentemente da justeza das suas propostas - que merecem em si mesmas outro debate - é um dado fundamental para todos os que verdadeiramente querem debate político e cidadãos que exercem cidadania.

Veja-se o blogue dos Piratas e vejam-se sobretudo os comentários:

Vote or die...
The 4-7th of june it's time for elections to the European parliament again. Some say it doesn't matter if you vote, some say it's just an election between a douche and a turd and all the politicians try to convice you that they all know whats best for you.

No matter what you think of the above, we have seen a lot of new very disturbing laws and directives from the EU these last years (telecom package, ipred, the data retention directive). Laws that each member country then are obliged to follow. So yes, it does matter who we elect! We at The Pirate Bay have our different political views and don't want to shove any politics down your throat, but we want you to vote! After all, it only takes a few minutes of your time. Please use the comments field below to explain how You will vote!
http://thepiratebay.org/blog/156

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Não queremos acreditar no que sabemos




Hoje em todo o mundo milhões vão poder ver Home, o filme de Yann Arthus-Bertrand sobre o impacto que a actividade humana está a ter no planeta. Filmado ao longo de 3 anos, Home - ou Maison, como no seu francês original gosta de dizer - é uma "história fantástica da vida na Terra". Na sucessão de imagens, é o tempo que nos faz pensar. As montanhas, os rios, as plantas, estão cá há milhões de anos. Os humanos há não mais que meros 200 mil anos. E, no entanto, este é um filme sobre os homens. os homens no seu habitat. Os homens como causa primeira e fim última do debate sobre a vida no Planeta.
São imagens captadas lá do alto - uma sequência lógica do trabalho fotográfico de Yann Arthus-Bertrand, com a série de fotografias "A Terra vista do Céu". Romanticamente ou talvez apenas humanamente, é irresistível pensarmos que também se trata de uma forma de termos um olhar divino, criador, sobre a vida no planeta.
Um filme que procura mostrar que aquilo que nos une é bem mais forte do que aquilo que nos separa - e é por isso obrigatória uma visita ao site 6billionothers.org, onde o realizador-fotógrafo compila milhares de entrevistas, a milhares de pessoas em todo o mundo e não podemos deixar de ficar abismados com essa proximidade do que somos, do que nos marca, do que nos faz felizes.
O filme foi distribuído gratuitamente, não tem copyright e é hoje, dia 5 de Junho, dia do Ambiente que poderá ser visto em todo o mundo
"É tarde demais para ser pessimista. Somos todos parte da solução", diz Yann Arthus-Bertrand.

Em Lisboa, Home pode ser visto hoje, 5 de Junho, às 21 h, na Praça Luís de Camões em Lisboa e estará em exibição nos vários cinemas ZON Lusomundo.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Previsivelmente irracionais ou porque por vezes achamos que não faz mal mentir e enganar



As notícias do último ano sobre fraudes financeiras, gestores que enganam clientes e accionistas, processos pouco claros de relação com o mercado colocaram a questão ética na ordem do dia. A verdade, porém, é que se todos temos presente que é fundamental fazer um "back to basics" em termos de princípios de actuação, nem sempre, na realidade endurecida pela crise, essa orientação é facilmente seguida. Ser ético significa, tantas vezes, fazer aquilo que nos apetece menos.
Há alguns dias, um membro da comunidade Linkedin colocava à consideração um artigo sobre um estudo em que 25% dos gestores afirmavam estar dispostos a subornar para ganhar um cliente ou um negócio. Ao comentar o artigo, referi que me parece difícil que se passe, num passo só, do estado "ético" ao estado de suborno. O que significa que no caminho deverão certamente ter existido passos intermédios e que algumas culturas organizacionais, em nome do pragmatismo, estimulam esses passos intermédios ... ficando depois muito espantadas quando alguém vai, como se costuma dizer, longe demais.
lembrei-me então de um email que me tinha sido enviado há umas semanas sobre uma das TED Talks. Um economista do comportamento, Dan Ariely, fala nesta conferência sobre as nossas decisões previsivelmente irracionais. Como a de fazer batota. E, através do relato de várias situações e experiências, demonstra algumas evidências:
1. Todos precisamos de olhar ao espelho e gostar de quem vemos (o que inclui não fazer batota)
2. Mas se fizermos apenas um pouquinho de batota isso não muda radicalmente a nossa imagem (é um passo intermédio)
3. Se alguém do nosso grupo fizer batota, torna-se mais fácil também para nós fazer batota (o que tem a ver com a cultura organizacional)
4. Quanto maior foi a distância do objecto do dinheiro, mais fácil se torna fazer batota (daí que a Bolsa, pela sua imaterialidade, seja um território tão apetecível)
5. Quando nos lembram dos princípios morais, fazemos menos batota (o que implica que a ética é uma coisa viva, do dia-a-dia e não uma palavra guardada nos grandes momentos)

Por tudo isto, vale a pena ouvir esta conversa, com momentos de grande diversão e que nos leva até àquele espaço recôndito do nosso cérebro onde decisões aparentemente irracionais encontram toda a legitimidade para serem assumidas.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Na era do desemprego, criar empregos que façam as pessoas felizes

Este senhor, Patrick Dixon, é um profissional do ânimo. É isso que ele tem para vender. Ânimo, frases convincentes, casos da vida que fazem pensar. E, na boa escola americana, é um orador enérgico, dinâmico e interactivo.
Mas a verdadeira razão pela qual o vídeo vale a pena é outra. Talento, paixão, felicidade. Temas que se arriscam a entrar no clube da inovação - palavras que se usam por tudo e por nada, os famosos soundbytes que alguém ouviu alguém dizer que alguuém leu que alguém tinha escrito ... enfim, aquele círculo habitual das modas corporativas. Cujo único problema é, tantas vezes, ofuscarem com tanto barulho e show off os temas que em si mesmo são fundamentais e importantes para a vida das empresas e das pessoas.
A paixão pelo que fazemos é hoje um tema importante na vida de todos nós. O trabalho no conceito que a Revolução Industrial trouxe até ao século XX transformou-se progressivamente noutra coisa que não apenas sustento e pay off. Claro que em tempo de crise, com muitas empresas a abusarem da máxima "dêem graças por terem emprego" esta ideia parece quase tão romântica quantos os contos de Dickens da famosa era industrial, mas a crise irá passar e depois dela, como já antes dela, esta mudança de paradigma irá manter-se e aprofundar-se.
Hoje todos queremos fazer algo que gostemos de facto e que dê sentido ás 8-10-12 horas que tantas vezes passamos "no trabalho". E essa deve ser uma boa notícia para todos, patrões e empregados. É sobretudo uma boa notícia porque vai obrigar, também finalmente, a rever o conceito de "patrão" e de "empregado". É aqui que entra a igualmente na moda palavra talento. Talento é tão somente algo que fazemos bem, particularmente bem nos casos em que somos de facto muito bons. Os "vendedores" de talento antecipam uma geração inteira de talentosos - o reality check será um pouco diferente no mínimo. Hoje como ontem, uns terão garantidamente com muito talento, outros algum e outros nenhum. A novidade é que todos estão hoje empenhados em encontrar aquele algo que fazem melhor e que os pode fazer sentir melhor no desempenho do seu "trabalho" e na sua vida em sociedade.
E essa é, sem dúvida, uma dimensão entusiasmante do mundo em que vivemos. A má notícia está nos números: não há emprego para muitos e bons empregos, empregos que façam as pessoas felizes, menos ainda. Estaremos condenados, uma vez mais, à lei de Darwin ou seremos nós capazes de inventar uma nova evolução?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

É mais fácil manter o carácter do que recuperá-lo

Ética é uma palavra essencial. Não apenas para os negócios, não apenas para as empresas ou para os gestores. Essencial para todas as dimensões que envolvem a condição humana.
O filme "The International" em exibição nos nossos cinemas traça uma história de crime organizado à escala global. Muitos verão o filme e pensarão que são "coisas que acontecem lá fora". Não sendo propósito discutir, não neste post, se a corrupção e a intimidação mudam de nome por serem maiores ou mais pequenas, há um sentimento de impunidade que nos incomoda a todos.

Como eram todos eles nos bancos da escola? Estas pessoas que em pequena ou grande escala manipulam interesses e condicionam efectivamente uma imensa maioria. Todos chamaram pela mãe a meio da noite e levaram reguadas da professora? O que condicionou crianças a tornarem-se adultos cegos por poder e controlo?

A verdade que podemos mais temer é que todos nós podemos ser esses pequenos homens e mulheres que tanto odiamos quando vimos na tela. É o poder que nos molda ou somos nós que lhe ditamos uma natureza? O dinheiro, é sabido, é um bom servo e um mau senhor, mas onde pára a legítima ambição e começa a cegueira impune?

Quando o leão mata, o chacal é quem lucra. A frase é de uma crueza notável e certeira. É que o leão mata para viver, para alimentar os seus, para, de acordo com a sua natureza, manter a sustentabilidade do seu clã. A matança é legitimada assim. O chacal espera e deleita-se.

Ética é cultura. É conhecimento do bem e opção deliberada. temos de ser cultos se queremos ser livres. A virtude é uma palavra fora-de-moda, mas cheia de humanidade. Na prática, importa a vontade para fazer bem e a competência para fazer bem. E, não é prémio de consolo, tenhamos pena daqueles que não dominam esse conceito. E, por via das dúvidas, levemos a sério as palavras de um dos personagens do The International: é mais fácil m,anter o carácter do que recuperá-lo.

terça-feira, 5 de maio de 2009

As pessoas que estão no topo não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais

É preciso toda uma aldeia para criar uma criança. O provérbio é de sabedoria antiga, mas o último livro de Malcolm Gladwell trouxe-lhe não apenas uma roupagem contemporânea, mas uma solidez intelectual e prática que nos obriga a reflectir e, assim o saibamos, a agir. "Outliers", o mais recente livro do jornalista do New York Times, propõe-nos uma viagem através dos tempos e das sociedades com o propósito de compreendermos a história do sucesso. Não se trata de um percurso expositório ou de uma narrativa consumada; pelo contrário, é sempre um desafio ao nosso devir e às nossas certezas presentes. Começando pela mais óbvia e generalista de todas em matéria de sucesso: aquela que nos faz acreditar que o sucesso chega aos eleitos, pessoas à letra extra-ordinárias, proprietárias de talentos ou dons que as distinguem dos comuns.

Escreve o autor:
"Durante quase toda uma geração, psicólogos em todo o mundo envolveram-se num animado debate em torno de uma questão que a maioria de nós consideraria estar já resolvida há muitos anos.
A questão é esta: haverá algo que possa ser considerado um talento inato? A resposta óbvia é sim. (...) A realização é o talento mais a preparação. O problema desta perspectiva é que quanto mais os psicólogos examinam a fundo as carreiras do dotados, menor o papel que parece desempenhar o papel inato e maior o contributo da preparação."

A partir daqui, somos levados pela mão e entramos no universo de Bill Gates, dos Beatles, de Robert Oppenheimer, dos grandes advogados judeus de Wall Street e dos camponeses dos arrozais do Sul da China. Que têm muito mais em comum do que possamos imaginar, sobretudo quando os avaliamos na perspectiva do sucesso.

De regresso ao autor:
"... as pessoas que estão mesmo no cume não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais.
Esta ideia – de que a excelência numa actividade complexa exige um nível mínimo e crucial de prática – reaparece continuamente em estudos sobre perícia. De facto, os investigadores chegaram àquilo que consideram ser o número mágico da verdadeira proficiência: dez mil horas.
(...) o retrato resultante de tais estudos é de que são necessárias dez mil horas de prática para se conseguir um nível de mestria correspondente a ser-se um perito de nível mundial – seja no que for (...) Estudos atrás de estudos, sobre compositores, basquetebolistas, escritores de cãoção, patinadores de gelo, pianistas de concerto, xadrezistas, criminalistas e o que se quiser, este número aparece reiteradamente. (...) Aparentemente, o cérebro necessita deste período de tempo para assimilar tudo o que é preciso saber para se atingir a verdadeira mestria”.

A prática não é o que se faz quando se é bom. É o que se faz para nos tornarmos bons.
E aqui o papel de pais, professores, patrões e todo o legado cultural que herdamos de quem nos antecedeu e que depositamos em quem nos seguirá é absolutamente determinante.


O livro de Gladwell é um extraordinário elogio do trabalho. Numa época em que as vozes mais sensatas apelam a que se repensem valores para que possamos efectivamente mudar e melhorar, vale a pena pensar nisto.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Porque hoje é sexta-feira - Abençoados os que sobre-vivem (o hífen não é por acaso)

A apresentação da 1ª turma de finalistas do Magellan MBA decorreu na semana que passou, na EGP-UPBS. Belmiro de Azevedo nivelou, sempre por alto como é seu hábito, as expectativas e os desafios que esperam os recém-MBA no mundo real e teve lugar uma apresentação em vídeo de cada um dos alunos, resumindo em 1 minuto quais as suas principais qualidades e objectivos profissionais.

A fechar, um debate que juntou à mesa o CEO da Cisco, Carlos Brazão, o CEO da Wipro, António Murta e que foi moderado pela sempre assertiva e atenta jornalista Luísa Bessa.

O formalismo dos debates não poderia ter sido mais rapidamente desfeito do que com este vídeo que Carlos Brazão tratou de colocar no ar logo a abrir.
Estes somos nós, ou estes somos também nós. Homens e mulheres, gente que tem medos, que arrisca, que hesita, que aposta, que é séria, mas que tem sentido de humor. Gente que sobrevive.
Há pouco tempo ofereci a uma amiga que fez 40 anos, essa idade outrora emblemática e hoje pouco definida, uma prenda por causa de uma frase: "Future is what remains". Ou, se preferirem, o futuro é dos que continuam o que também quer dizer que sobrevivem, no melhor dos sentidos.

Espero que se divirtam.

P.S. - O tema da conferência não fica por aqui. Carlos Brazão e António Murta deram um verdadeiro show de gestão "terra a terra" e vamos voltar a eles aqui no Videonomics.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sobre amadores e campeões

Já se escreveu quase tudo sobre Tomaz Morais, os Lobos, e a estória de liderança que permitiu a um grupo de amadores sem dinheiro chegar aos grandes palcos da modalidade. Portanto, lapso meu, que ainda não tinha ouvido, ao vivo, o seleccionador nacional de rugby. Uma lacuna resolvida mediante o acompanhamento que o Videonomics está a realizar, entre 16 e 17 de Abril, ao Fórum RH 2009. Como foi a primeira vez que assisti a uma palestra de Tomaz Morais, não sei se nestes eventos para os quais tem sido solicitado ele é mais igual do que diferente ou o inverso. Mas sei que para mim, estreante, existiram coisas novas e coisas que constituem excelentes pistas para várias realidades das empresas e cada um de nós enquanto gestor da sua própria vida.
“A liderança acontece quando a equipa vai comigo para a guerra. Mas eu não sou sempre líder, porque não se trata de uma função. Posso ser líder neste momento e não o ser no momento seguinte”. Já todos fomos certamente liderados e muitos de nós, se não todos também, já lideraram em algum contexto. E de facto “ir para a guerra com alguém” é o melhor testemunho de mobilização e de capacidade de influenciar que se pode ter. Mas ninguém é super-homem, as equipas não são iguais, os contextos não são iguais, nós não somos sempre iguais. Entender a profunda humanidade do acto de liderar é o princípio primeiro, passe o pleonasmo, de exercitarmos esse músculo invisível da motivação. Que começa em nós mesmos.
“O adversário é a melhor coisas que nos pode acontecer. Porque nos obriga a dar o melhor de nós próprios. Muitas vezes o problema é que estamos mais preocupados em eleger um adversário dentro de casa, dentro da nossa própria equipa, do que lá for a. Se nos concentrarmos no adversário real, as nossas possibilidades sobrem significativamente”.
Esta é a triste novela de tantas empresas, equipas e projectos. Excelentes ideias, óptimas pessoas, resultados desastrosos ou pelo menos aquém do que poderiam ser pela simples razão que a energia foi gasta a combater homem a homem dentro de casa, deixando campo livre ao adversário.
“Um líder para ser líder tem de despertar a curiosidade. As pessoas têm de sentir que têm algo de novo a aprender ou para fazer com ele, têm de estar interessadas no que tem para lhes trazer. Se tenho jogadores a olhar para o chão enquanto falo estamos mal. Ganha-se olhos nos olhos e ninguém motiva ninguém por email”.
Gerir pessoas é cansativo e trabalhoso. Podemos usar todos os chavões da gestão e, no fim do dia, continuará a ser cansativo e trabalhoso. Mas só conseguimos ganhar com as pessoas a irem para a guerra connosco e as pessoas só vão para a guerra com alguém que conhecem, acreditam e com quem estabelecem contacto, emocional, pessoal. Gerir à distância, gerir pelos manuais, gerir por interposta pessoa é o pior dos erros. E aquele que nos impede de, depois de muito trabalho e algum cansaço, dizer na hora da vitória que, apesar de tudo, as pessoas continuam a ser o melhor do mundo.
Tomaz Morais falou ainda das decisões por intuição. Aquelas em pensamos sem pensar e que, culturalmente, foram injustamente desvalorizadas em décadas de pensamento analítico. Felizmente também aquelas que o avanço da neurociência nos tem vindo a mostrar são tão válidas senão mais válidas do que as apoiadas em números e factos. O que o nosso cérebro intui sem ter de analisar tem um valor precioso. Ler Damásio e Gladwell ajuda, por vias diferentes, a perceber porquê. Mas há que ter coragem de decidir por intuição. Como Tomaz assume que faz quando chega a hora de escolher quem vai entrar em campo.
Por último, e poderia vir em primeiro, estão os nossos valores. Aquilo em que realmente acreditamos. Vários excelentes profissionais, alguns deles gestores e líderes de equipa, em determinado momento foram vencidos pela manipulação e pelo jogo for a de campo. Acontece, desmoraliza, mas é um facto da vida. Outros profissionais, igualmente excelentes, são vencidos por uma unha negra, um erro de cálculo ou simplesmente porque o adversário era de facto melhor. “Podemos perder o jogo por um ponto, mas temos sempre hipótese de ganhar o próximo se não perdermos os nossos valores, aquilo em que acreditamos”.
Quem em nada acredita, mesmo quando ganha, continua a ser apenas e tão somente isso mesmo: uma peça que funciona, mesmo que nas regras erradas. Para os outros todos, que acredito são a maioria de nós, vale a frase que Tomaz Morais dirige aos treinadores adversários quando perde o jogo: “para a próxima é nossa”.

Santos e Gestores

As organizações do 3º sector estão cheias de santos. Mas ser santo não chega para fazer o bem e é por isso que a profissionalização da responsabilidade social deve ser uma prioridade. E os santos devem procurar gestores que os ajudem a fazer o bem de forma eficiente. Com a clareza que a caracteriza, Isabel Jonet, do Banco Alimentar, disse-o assim, com as letras todas, no Fórum RH 2009 que hoje e amanhã decorre no centro Cultural de Belém. É difícil ficar indiferente quando se ouve esta senhora falar. Não se trata apenas de ter obra feita. É, antes de qualquer outra coisa, uma abordagem absolutamente convincente de não-deslumbramento com capacidade de sonhar. Que, como é bom de se ver, não são opostos, pelo contrário. “Tem de existir equilíbrio no que se faz. Não faz sentido ver acções de voluntariado com senhores muito bem vestidos, de fato e gravata, bom relógio, a saírem de excelentes BMW ... na Cova da Moura. Não é pelo carro ou pela marca ... é o desequilíbrio dessas situações”. Que, como acabaria por acrescentar, não são exclusivas da exibição material em contexto de pobreza. Também os jovens, com a energia que lhes é própria, muitas vezes estão em “des”-contexto. “Muitas vezes as pessoas querem mudar o mundo à sua maneira, sem olhar à cultura da organização ou do meio”. A mesma cultura que fez, por exemplo, com que recusasse uma campanha de publicidade proposta ao Banco Alimentar, tecnicamente muito boa, mas em contra-valor com a forma como a organização actua e se posiciona. “As nossas campanhas sempre se centraram nos voluntários. É assim que nos queremos apresentar. Não temos o direito de usar os pobres como tema de marketing”.
Num ano em que todos os orçamentos são curtos, Isabel Jonet não pestaneja quando diz que “a principal responsabilidade social das empresas é manter o emprego; porque se houver mais desempregados há mais pobreza”. Já o Estado, recomenda, deveria prestar outro tipo de atenção ao 3º sector: “este é um Estado cego que não premeia as boas práticas. Já é tempo de existir uma certificação das organizações do 3º sector, porque este não é mais um mercado onde o importante é ganhar dinheiro”.
Isabel teve uma audiência comovida e incomodada, como alguns dos presentes não se inibiram de confirmar. Estas coisas incomodam, de facto, sobretudo porque a crise que vivemos torna impossível que não nos lembremos, mesmo que apenas de vez em quando, que há que fazer mudanças. “O único elemento que pode mudar as sociedades é o ímpeto dos jovens ... não devemos ter medo dos novos; devemos aprender com eles e estar dispostos a ensinar o que já sabemos”.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Everywhere you go, you always take the weather with you

Lembram-se da música?
Parece demasiado ligeiro lembrarmo-nos de uma pop quando o tema são alterações climáticas, mas a frase deste refrão é certeira. Ninguém escapa. Logo, tem mesmo de ser uma prioridade porque não temos como nos esconder do clima e a dimensão do problema é, de facto, planetária e não meramente um problema isolado ou localizado.
Antes de falar da conferência BES – Futuro Sustentável que este ano trouxe a Portugal Rajendra Pachauri, prémio Nobel da Paz em parceria com Al Gore e presidente do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), sinto que o tema exige um disclosure. Não sou uma ambientalista nata. Porque gosto de me mobilizar, durante algum tempo senti-me defraudada comigo própria pelo pouco entusiasmo que o “discurso verde” me suscita. A reconciliação comigo mesma e a consequente capacidade de mobilização para um tema que, seja numa versão maximalista ou minimalista é seguramente incontornável, só aconteceu quando me recordei da minha relação com a ciência. Sempre fui boa aluna e sempre tive curiosidade por saber mais. Durante anos hesitei entre as ciências sociais e humanas. Em certa altura desabafei com um professor de biologia que já não aguentava mais ter de saber detalhes sobre a reprodução das plantas ou estômago dos coelhos. Não me conseguia mobilizar. O professor que era experiente e que já me ensinava há 2 anos não se mostrou minimamente melindrado com a confissão e tratou de me animar: “deixa lá, para o ano o animal que estudamos é o ser humano”. Percebi nessa altura, com cerca de 12 anos, que o meu foco de interesse estava nas pessoas e que só através delas me conseguiria interessar pelo meio ambiente. E na sustentabilidade, mesmo para aqueles que como eu são mais insensíveis aos documentários sobre a natureza, há um bottom line que nos toca a todos: isto tem a ver com o nosso futuro enquanto gente, enquanto espécie e essa é uma razão egoísticamente inadiável para que tudo o resto se torne prioritário.
“A humanidade não se encontra num cruzamento, onde tem de optar entre virar à esquerda ou à direita. A humanidade está, neste momento, à beira do precipício e a questão que se coloca é saber se consegue ou não inverter a marcha e evitar cair”. Rajendra Pachauri, o Nobel vegetariano que logo no início da conferência nos lembrou que são precisos 10 quilos de cereais para produzir 1 quilo de carne, colocou o problema das alterações climáticas com este nível de urgência. O mesmo que o leva a defender que só criando uma “sociedade sóbria” onde os recursos são valorizados e o consumo reduzido poderemos evitar essa atracção do abismo até ao desfecho final.
Durante cerca de 1 hora, Pachauri desfilou um conjunto de estatísticas que já ninguém pode dizer que não conhece. 1,2 mil milhões de pessoas a viver com menos de 1 dólar por dia no mundo, 1,6 mil milhões de pessoas a viverem sem acesso á electricidade, 700 milhões de pessoas a viverem sem acesso a água (número que pode ascender a 3 mil milhões em 2025), crescimento populacional, urbanização, aumento do consumo de carne, cereais e lacticínios decorrente da entrada de países como a China e a Índia no padrão de consumo ocidental, aumentos previstos da temperatura média entre 1,8ºC e 6,4ºC (sendo que basta um aumento entre 1,5ºC e 2,5ºC para que aconteça a extinção de 20 a 30% das espécies actuais).
Com o aumento da temperatura e a subida do nível das águas, o Ártico, África, as ilhas pequenas, América Latina e o sul da Ásia são regiões especialmente afectadas. O fardo do homem branco vira-se agora do avesso. O rico hemisfério Norte prevalece como “zona protegida” da primeira frente da intempérie climática/ambiental, mas não escapa às consequências humanas de grandes fluxos migratórios, pressão sobre a terra e consequências inevitáveis na vida das sociedades. A sustentabilidade, como já sabia o meu professor de ciências, atravessa toda a cadeia. Tem a ver com os bichinhos, com as plantas, com o ar, mas inexoravelmente bate sempre à porta do destinatário homem.
Uma sociedade mais sóbria. Menos consumo. Menos lixo. Melhor energia. Uma nova ideia do que significa bem-estar. Foi disto que Rajendra Pachauri veio falar a Lisboa. O que é que se faz quando estamos à beira do precipício?
Trava-se – mas não chega. É mesmo preciso fazer inversão de marcha.