quinta-feira, 16 de julho de 2009

"Never surrender, never give up"

(artigo publicado no Jornal de Negócios de 8 de Julho de 2009)
Por que as empresas devem aprender com a Roma republicana
"Never surrender, never give up". A persistência, a par com o respeito pela lei e o desejo de independência, são os grandes valores da Roma Republicana que devem inspirar os gestores de hoje. Para António Ortega, ex-quadro do BBVA e autor de livros de gestão, mais importante que o líder é a organização. E foi a pensar assim que a Roma republicana perdurou 500 anos.

Os líderes querem-se humildes e sem vaidade, porque a organização deve estar à frente do indivíduo. E quando os líderes querem deixar a sua marca, é muito natural "que façam disparates" e que "deixem de ouvir os outros". Os modelos a seguir não são os de Jack Welch, tão pouco o de Steve Jobs. Talvez Bill Gates se aproxime de um ideal que promete o futuro da empresa independentemente do líder.

António Ortega Parra foi, durante anos, alto quadro do BBVA e é desde que se lembra um apaixonado por História. É assim natural que os seus livros remetam, inevitavelmente, para os ensinamentos que as empresas podem retirar das lições de outras épocas. Esteve em Lisboa a convite da AESE num seminário sobre Gestão de Talento e foi contundente na sua convicção: não precisamos de líderes carismáticos.

O que é que a Roma antiga tem a ver com as organizações modernas?
Roma antiga está, na realidade, dividida em três períodos: um primeiro período, rural, pouco conhecido, depois o período da república romana, que dura aproximadamente 500 anos, e depois vem o império, que é outra coisa. O período da república é o que me interessa mais, pois considero que tem alguns valores que são transponíveis para as empresas modernas. Afinal, foi uma organização que teve êxito durante 500 anos, portanto as empresas de hoje devem ter algo a aprender com essa experiência.

E qual é a origem desse êxito?
No início tem de existir uma missão clara. A missão de Roma encontrei-a escrita na Eneida, de Virgílio: "... e tu, romano, lembra-te da tua missão. Ir liderando os povos sob a tua lei". Isto é absolutamente idêntico ao que qualquer companhia pode determinar como missão quando pretende liderar no seu mercado. Conquista todos os mercados, seja nas telecomunicações, na banca, nos transportes...

Roma é conhecida pelos seus legados: as infraestruturas de comunicação, a língua comum, o latim, e a emergência das grandes cidades. Hoje também poderíamos fazer um paralelismo com uma infraestrutura mundial que é a internet, uma língua universal que é o inglês e a existência de capitais mundiais como Londres, Nova Iorque ou Xangai?
É perfeitamente possível, apesar de no meu livro abordar outra vertente. As infraestruturas, sejam estradas, pontes ou Internet, são ferramentas; a língua é também uma ferramenta de comunicação. Para mim, o importante não é a mudança tecnológica a que temos assistido. O importante é o pensamento. Numa empresa, o importante não é a tecnologia, é o que se faz com a tecnologia. As mesmas tecnologias podem ser bem ou mal usadas. As ferramentas têm de servir a um propósito. Roma tinha muito bem definida a missão, o propósito, e depois igualmente importante era a cultura corporativa.

No seu livro, centra-se especialmente na importância da cultura corporativa ...
Que valores tenho eu de ter para cumprir a minha missão? Roma tinha três valores fundamentais. O primeiro era não se rendia nunca. "Never surrender, never give up". Imagine-se uma empresa, nos dias de hoje, que não se dê nunca por vencida. Que mesmo em época de adversidade, como a que estamos a viver, insista e se esforce por seguir em frente. Este era um princípio fundamental de Roma: não se rende. É uma questão de perseverança e de ser obstinado. O segundo tem a ver com o direito: a lei respeita-se sempre. Roma nutria um grande respeito pelo direito e pelo seu cumprimento - se assim não fosse, a lei romana não tinha chegado até aos nossos dias. Ninguém se lembra do direito egípcio ou sumério, pois não? O terceiro valor é a independência: os romanos queriam ser independentes, não queriam estar dependentes do poder duma só pessoa de forma vitalícia. Por isso, criaram uma estrutura na sua classe politica que se renovava todos os anos e todos tinham os mesmos comportamentos. O importante não era o líder pessoal, era a própria instituição que liderava. Não importava quem era o líder num ano, porque sabiam que no ano seguinte seria outra pessoa - o importante é fosse qual fosse o líder actuava de acordo com os mesmos procedimentos, convicções e compromisso. Por isso, da Roma Republicana não conhecemos quase nenhum líder. Costumo exagerar dizendo que quando nos lembramos de algum é de Júlio César que foi quem acabou com a República e deu início à Roma imperial. Durante 500 anos, dois cônsules diferentes cada ano lideravam.

Porque razão é que considera apenas a Roma Republicana um bom exemplo para as empresas modernas e não a Roma imperial?
Porque a Roma imperial assenta precisamente no conceito de liderança pessoal. E, na minha perspectiva, a liderança pessoal, sobretudo quando o líder é carismático, não é aconselhável. O meu livro anterior foi sobre Alexandre, o Grande e temos aí um grande exemplo de um líder carismático. Tudo o que depende da liderança de uma pessoa, com cujo final, mais cedo ou mais tarde, a instituição acaba, parece-me um perigo claro. É muito melhor dotar toda a organização de um programa de desenvolvimento que se reflicta em todos os estratos da organização e de onde possam sair vários líderes.

Mas no topo da hierarquia só há lugar para o líder?
Sim, mas esse lugar renova-se e quando alguém se vai embora, não se nota.

Isso não um pouco contra-natura? Não é humano que um líder queira deixar a sua marca?
Uma das condições da liderança deveria ser a humildade. Quando alguém quer deixar a sua marca, geralmente faz algum disparate. Os romanos fizeram disparates fabulosos com alguns monumentos em honra do imperador. Hoje em dia, seria algo como construir um edifício-sede enorme na avenida da Liberdade para deixar a marca de um líder. 

Mas há exemplos de líderes carismáticos cuja sucessão nas organizações correu bem. Jack Welch, na General Electric.
Jack Welch foi bastante criticado depois de ter saído da GE ...

Mas a empresa não perdeu liderança.
Sem dúvida, a GE tornou-se uma empresa de êxito com o Jack Welch que a converteu numa grande empresa, seguramente a primeira grande empresa mundial. Os problemas com Jack Welch vieram depois, quando se tornaram conhecidas as condições de regulação, entre outras. Mas que é frequente acontecer com os líderes carismáticos.

Para seguir o modelo da Roma republicana, não pagarão as empresas como preço não terem líderes carismáticos nunca?
Mas não queremos ter líderes carismáticos.

Não?
Não. As teorias de liderança mais modernas demonstram que o líder carismático não é confiável no longo prazo. O problema de Alexandre, o Grande, que foi um grande líder durante um determinado período, está na sua natureza: conquistou a Pérsia e depois quis conquistar a Índia, que não conhecia, e fracassou.
Júlio César, que também era um grande líder, nunca se devia ter tornado num ditador - custou-lhe a vida e a Roma custou a república. Napoleão a mesma coisa. O líder carismático, a certo ponto, perde o contacto com a realidade e faz este tipo de coisas.
O problema do líder carismático é a vaidade. E quando se torna tão vaidoso que se considera dono de toda a verdade, já não escuta nada nem ninguém e comete erros.

O que recomenda aos gestores sobre a gestão de talento nas organizações modernas? Como podem ter culturas fortes, vencedoras e lideranças que perdurem?
Nestes momentos de crise, recomendo quatro coisas que em espanhol começam todas por um "R". A primeira é realismo na análise. Temos de ser capazes na nossa empresa de determinar qual é a situação em que estamos e como está o nosso mercado. A segunda é reformular a estratégia, porque precisamos de saber se podemos continuar a fazer as coisas da mesma forma ou se se exige outra abordagem. O terceiro "R" é rigor nas operações, temos de ser rigorosos no cumprimento dos objectivos, porque não há margem para o erro. O quarto ponto é renovação do compromisso. Nos momentos difíceis é quando as empresas mais precisam que os empregados se comprometam com a organização e, atenção, que a organização se comprometa com as pessoas também. Os romanos faziam o juramento, em que uns e outros se comprometiam. Esta é para mim a receita nos tempos que estamos vivendo.

Que bons exemplos encontra nas empresas modernas deste espírito da Roma republicana?
Ia dizer uma empresa, mas é óbvia, estou influenciado porque pertenci a essa organização durante vários anos, apesar de hoje já não estar ligado, o BBVA.

Mas pensando em algumas das empresas com mais êxito nos dias de hoje, como a Apple, de Steve Jobs, estamos perante o oposto da Roma republicana?
Sim, Jobs é seguramente o oposto.

E a arqui-rival Microsoft, com Bill Gates?
A Microsoft é diferente. No final, o que fez Bill Gates? Saiu da empresa. E a mim parece-me um acto de inteligência extraordinária. Ele podia ter continuado e ser o imperador. Mas há vários outros exemplos e há uma boa forma de os identificar: pense em empresas e líderes que estando no poder são capazes de renunciar ao poder ou a parte do poder.

Como se interessou por esta comparação entre a História e as empresas modernas?
Estou um pouco louco, sabe (risos)... Gosto muito de História e parece-me que o pensamento humano não mudou assim tanto. Estamos sempre a olhar para o futuro à procura de coisas novas e muitas vezes não nos damos conta que seguimos os passos de uma civilização construída há muito no nosso passado. A filosofia grega, a religião católica e o direito romano. São os três pilares dos últimos 2500 anos. E quando se lêem os clássicos, por exemplo quando se lê um discurso de Alexandre, o Grande, percebemos que podia ser o mesmo discurso de um presidente de uma grande empresa de hoje, como Bill Gates. Sobre organização, os valores, o esforço, a honestidade, a ambição, a proactividade.

Podemos considerar que os empreendedores podem - e devem - ser carismáticos, como Alexandre, o Grande, mas que uma vez as conquistas realizadas devem saber gerir em equipa, como a Roma republicana?
É verdade essa observação, tem muito a ver com o ciclo de vida da empresa. Um empreendedor, no momento da fundação da empresa, pode ser carismático. Mas, no momento de consolidação da empresa, deve ter competências mais serenas e em momentos de crise deve olhar aos quatro "r". É o ciclo de vida da empresa que deve determinar as competências do líder. Não há um líder para todas as estações. Churchill ganhou a guerra e não conseguiu ganhar as eleições seguintes: foi capaz de vencer na guerra e não foi capaz de gerir a paz.

domingo, 5 de julho de 2009

Emigrantes digitais ultrapassam os nativos digitais - ou seja, os pais já estão mais na internet do que os filhos. Ainda não em Portugal

Na sexta-feira teve lugar na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa a apresentação do estudo EU Kids Online, coordenado em Portugal pela Professora Cristina Ponte, que ao longo de 3 anos avaliou a forma como crianças e jovens da União Europeia se comportam "na" e "com" a Internet.
Primeira novidade, apesar de relativamente expectável: as crianças entram cada vez mais cedo "rede"; o pique de entrada eram os 12-13 anos, em 2005, hoje são os 10-11 anos. Há cada vez menos diferenças entre rapazes e raparigas, mas em contrapartida os estudos indicam que podem acentuar-se diferenças em função do nível socio-económico da família.
Novidade a fazer pensar é que, no âmbitos dos 27 países da UE, em média, já são mais os pais do que os filhos a usar a internet (84% versus 75%, invertendo a anterior tendência de 66% para 70%). A geração de "emigrantes" digitais bate pela primeira vez os "nativos" digitais. Portugal é uma excepção à regra neste domínio - por cá, ainda são os filhos quem mais usa a internet.
O que fazem as crianças e os jovens online? Aquilo que quem acompanha mais de perto esta realidade sabe ou suspeita (seja como pai, educador, investigador ou mero cidadão observador), mas que muitas famílias ignoram: entretenimento jogos e diversão; comunicação online, redes sociais e troca de experiências; obtenção de informação e recursos educativos. O que o estudo EU Kids Online nos deixa para pensar é o facto, também apurado, de que os pais "subestimam" o papel da internet enquanto meio de socialização através, nomeadamente das redes sociais, e também a vertente de entretenimento e "sobrestimam" a componente informativa/ educativa. A coordenadora do estudo, Sonia Livingstone, da London School of Economics, fala de uma "escada de oportunidades" que vai da procura básica de informação, aos jogos e email, ao Instant Messenger e ao uso criativo/upload.
Entre os riscos mais comuns, também estão os que se esperam. Dar informação de carácter pessoal lidera a lista, segue-se o risco da pornografia, conteúdos violentos, comentários sexuais, ser importunado online e encontrar-se com alguém que conheceu na net. Por género, os investigadores descortinam que os rapazes são mais passíveis de ser expostos a conteúdos pornográficos e/ou violentos, dão mais facilmente informação pessoal e é mais fácil que se encontrem com alguém que conheceram online. As raparigas, por seu lado, são mais disponíveis para correr o risco de falar online com estranhos, recebem mais comentários sexuais e pedidos de informação pessoal. À medida que sobem na idade, os riscos também crescem. Portugal está no grupo de países considerados de risco médio, em termos globais; Inglaterra, Holanda, Noruega e os novos países do Leste estão no grupo de risco mais elevado.
O professor José Alberto Simões, da FCS, que apresentou o estudo, lembra a propósito que "é preciso correr riscos para ter oportunidades" e toda a conferência decorreu sob o tema, patente ou latente, do não alarmismo e da devida contextualização dos chamados "perigos" da internet.
Os investigadores chamam ainda a atenção para o facto de continuar a existir pouca informação sobre os novos conteúdos e as novas plataformas, nomeadamente o telemóvel e estão convencidos que, em Portugal, muitos dos pais não fazem ideia do que os filhos fazem online.
A psicóloga Margarida Matos, da Faculdade de Motricidade Humana, sublinhou a necessidade de ser ter cabeça fria - sem exacerbar medos e perigos. "O adulto actual está a viver uma viragem histórica, talvez só comparável com a da invenção da escrita, porque não pode ser modelo para a geração que vem atrás", dizia. Mas, acrescentou, "não esqueçamos a experiência". E que melhor exemplo que o dos seus alunos universitários, literalmente "afundados" em informação, com centenas de PDFs que nunca conseguirão ler e que precisam da ajuda da experiência (professor) para saber organizar um trabalho.
No capítulo dos medos e mitos, as redes sociais também devem ser vistas como oportunidades para cada jovem "abrilhantar" as qualidades sociais, da mesma maneira que os jogos desenvolvem a percepção, liderança, observação. E, last but not the least, o nível educacional, que é mais importante do que o dinheiro quando se trata de saúde pública, também na protecção na internet parece desempenhar o mesmo papel.
A tecnologia não é nada óbvia, reiterou o professor Manuel Pinho, da Universidade do Minho, frisando uma ideia cada vez mais evidente: "não basta aceder à internet; é um requisito, mas está longe de significar sucesso".

Recomendações para políticas públicas
Do estudo EU Kids Online resultou um conjunto de recomendações que envolvem Governos, famílias, escolas, cidadãos e empresas.
- O grau de difusão da internet influencia, naturalmente, o acesso por parte de crianças. Quando o acesso se generaliza esbatem-se as diferenças socio-económicas e promove-se maior igualdade;
- As políticas de e-inclusão devem incidir sobretudo em países em que o uso da internet por parte de crianças é ainda baixo, como Itália, Grécia e Chipre;
- A fluência em língua inglesa tende a ser superior na Europa do Norte - é possível que um maior acesso ao conteúdo em língua inglesa aumente tanto as oportunidades como os riscos;
- Existem indicações que a presença de um forte serviço público audiovisual ou de outros fornecedores públicos de conteúdos para crianças desempenha um papel importante;
- O excessivo foco mediático sobre os riscos online e não sobre as oportunidades pode aumentar a ansiedade dos pais face ao uso da internet pelas crianças; a combinação em alguns países desta ansiedade com a baixa utilização por parte dos pais pode exacerbar a noção dos perigos;
- Pouco se sabe sobre os modos como a cultura de pares medeia a utilização da internet pelas crianças;
- Equilibrar a capacitação e a protecção é crucial; as estratégias para diminuir os riscos podem restringir as oportunidades, podendo prejudicar os direitos das crianças ou limitar a sua aprendizagem para lidar com um determinado grau de risco

Recomendações sobre Riscos
- Há boas razões para reforçar a regulação em toda a Europa, uma vez que grande parte das crianças estão a encontrar riscos em conteúdos, contactos e condutas
- Deve ser estimulada uma disposição auto-reguladora na melhoria da segurança das ciranças (da mesma forma em que as crianças só podem ser ensinadas a atravessar a estrada onde os condutores e a condução estejam cuidadosamente regulados)
- Quando aumenta o acesso nacional à internet, aumenta a auto-regulação por parte da indústria, incluindo o fornecimento de informações seguras pelos ISP
- Prioridades para futuras acções de sensibilização: Portugal não sendo de risco elevado figura nesta lista por se enquadrar no grupo de países onde o acesso crecseu muito mais rapidamente que as competências e pelo facto de as crianças usarem mais a internet que os pais
- As acções de sensibilização devem centrar-se em crianças mais novas e em novos riscos associados a novos conteúdos/novas plataformas


Para saber mais sobre o EU Kids Online:
http://www2.fcsh.unl.pt/eukidsonline/

Para uma perspectiva sobre o papel dos pais na relação das crianças com a Internet:
http://vitormagalhaes.com/index.php/2009/04/09/magalhaes-parte-2-controlo-parental-e-os-futuros-infoexcluidos/

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Tapscott acredita que Portugal é exemplo para Obama - verdades e consequências

O homem inventou a politica para deixar de obedecer a outro homem, obedecendo em alternativa a uma abstracção, uma ideia de poder superior exercido em nome de um bem comum. A ciência politica explica estas coisas e explica também que a politica e as politicas precisam de homens concretos. Ou, como também já foi dito por uma das nossas mulheres de direito, Maria José Morgado, o problema não está nas leis (referia-se ao combate á corrupção ...), o problema está nos homens e mulheres que aplicam essas leis.
Eis que um dos mais interessantes pensadores da era digital escreve um artigo no seu blogue que torna esta discussão, uma vez mais, pertinente. Don Tapscott, autor de Wikinomics, Growing Up Digital e Grown Up Digital, é um apaixonado por Portugal. Começa por estar casado com uma portuguesa – o que é um bom princípio. Depois gosta de pasteis de nata e, last but not the least, gosta efectivamente do pais que conhece, sem dúvida, bem melhor que tantos outros gurus que apenas percorreram o corredor do aeroporto ao Ritz. E, dito isto, é este também o pensador que, na semana passada, recomendou a Barack Obama que colocasse os olhos em Portugal se queria ter uma visão inspiradora sobre como revolucionar a educação.

Pois ... apesar do profundo conhecimento dos temas da geração digital e inclusive de algum conhecimento efectivo sobre Portugal, existem as ideias e existem os homens, as mulheres e, neste caso, também as crianças e os jovens concretos. Os homens e as mulheres concretos que desenharam e implementaram o programa e-escola e e-escolinha e o líder desse projecto, o homem concreto que chefia o Governo português, leram os livros certos, fizeram a pesquisa certa e, sejamos também justos, tiveram a coragem de levar à prática uma série de conceitos que estavam em case-studies e manuais. E isso é bom. Mas os conceitos são os tais “parafusos mentais” que nos ajudam a montar um determinado engenho, mas não são a garantia do engenho funcionar.
Don Tapscott esteve em Portugal em Fevereiro deste ano e apresentou muito mais que “parafusos mentais”. Trouxe casos de pessoas concretas que ilustram bem o quanto mundo está a mudar e nos desafiam a pensar em formas de fazer esses ventos de mudança funcionar a nosso favor. Em particular, o caso o aluno brilhante que nunca tinha lido um livro na vida e que se preparava para fazer mestrado em Oxford deu que pensar a muitos, a mim, confesso que me impressionou particularmente.
Mas esse é o (re)conhecido poder do storytelling, da narrativa, um poder ancestral agora redescoberto como moda de gestão.
Na vida de todos os dias, a questão é saber como usar ideias fascinantes e desafiadoras como a da aprendizagem colaborativa, da aula como espaço de interacção e de criação, entre outras, em realidades efectivas que conquistem os alunos para o saber e para o conhecimento, reduzam o abandono e/ou desinteresse escolar e, mais do que isso, criem cidadãos mais aptos a usar em benefício próprio e da comunidade as “ferramentas” da era fantástica em que vivemos.
Como é que isso se faz?
Ninguém tem respostas absolutas. Estamos todos a aprender. Pessoalmente, tenho estado envolvida em diversos projectos de desenvolvimento de conteúdos para crianças e jovens e conheço bem as dificuldades. Quanto mais “tecnologia”, “conteúdo”, “plataformas”, mais difícil. É preciso escolher, testar, colocar permanentemente perguntas difíceis, estar disposto a aceitar o erro, mudar quando se erra e aceitar como regra que ... não há regra. Nesse trabalho, moroso, complexo, de formiga, os programas e-escolas e e-escolinhas não poderiam ser nunca um ponto de chegada. Serão, em justiça, um ponto de partida. Qualquer pai, educador e até mesmo uma criança de 7 anos consegue responder sem dificuldade a Tapscott que o país que ele retratou não é o mesmo em que vivem todos os dias. Mas será que não podemos concretizar esse pais? Talvez possamos todos sonhar um pouco mais, fazer um pouco mais e deixar essa propensão também tão nossa para encolher os ombros e dizer que não há nada a fazer.
Algumas mentes avisadas têm defendido que um dos problemas da educação é o facto de não ser uma obra de resultados imediatos. Não é como lançar empreitada a mais uma estrada e vê-la, meses ou na pior das hipóteses um ou dois anos depois, estar concluída e inaugurada com pompa e circunstância.
Na educação, o horizonte mínimo de trabalho é o de um ciclo completo de formação, qualquer coisa como 20 anos. São 5 legislaturas. São 5 (ou mais) estruturas dirigentes. São 20 turmas para um professor. É uma maratona. Precisamos estar dispostos a corrê-la e não faz mal começarmos com a pompa e circunstância que levar computadores a crianças pequenas sempre traz. Desde que esse seja um princípio e não um fim em si mesmo.
Vale a pena ouvir a professora Teresa Marques, que ensina Matemática e Ciências aos alunos do 5º e 6º ano e que foi em Portugal uma das percurssoras da utilização da linguagem criada no MIT, o Scratch, para que as crianças comecem desde cedo a perceber a lógica da programação e da criação digital. Pacientemente ao longo de cada ano lectivo, já vão cerca de quatro, a Teresa constrói com os seus alunos desafios e usa a máquina e a tecnologia para obter respostas e lançar novas perguntas. Acredita que o grande desafio dos professores é aprenderem mais rápido do que os alunos, pois só assim podem ajudar os alunos a também eles apreenderem mais rápido. Debate-se com os problemas de tantos professores, falta de tempo, espaço e recursos limitados, não, não é o pais do Tapscott. Mas ela está lá, todos os dias e eu bem gostava que os meus filhos estudassem com alguém assim.
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P.S. - Este vídeo é uma reportagem realizada pela minha equipa no âmbito do projecto desenvolvido para a Portugal Telecom / Portal Sapo e que consistiu na criação do Sapo Kids.