sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Empreendedores Sociais - "Oh Lord, won't you buy me a Mercedes Benz"

Nos anos 80 eu era uma garotinha. Foi o tempo da explosão yuppie que, com o nosso crónico atraso, chegou a Portugal mais no fim da década, devidamente embrulhada em fundos europeus e uma ilusão de modernidade paga com cartão de crédito. E de repente todos achámos natural comprar carros, comprar casas. No corporate world - coisa que até então nem sabíamos bem do que se tratava (ditaduras, PRECs e crises económicas mantiveram-nos ocupados com outras coisas por alguns anos ...) - os jovens ferozes começaram a o olhar para fora e para cima e a pensar no carrão que a subida hirárquica lhes compraria. Talvez não fosse o Mercedes da Janis Joplin, pelo menos para todos, mas conta a intenção.
Hoje estive a moderar um painel sobre empreendedorismo social na conferência da EWMD - European Women's Management Development International Network, liderada em Portugal pela Teresa Lacerda, e que teve lugar no ISEG. "LEADERSHIP IN THE 21ST CENTURY".Entre entrevistas e sessões de discussão, ocorreu-me uma estória que Belmiro de Azevedo usa como só ele sabe para retratar algum Portugal, infelizmente para todos nós ainda um Portugal com alguma dimensão (estória essa também recordada por Filipe Fernandes, no editorial da Revista Exame deste mês). A estória diz assim: o que perguntam dois ex-colegas de curso quando se encontram? A primeira pergunta é 'onde estás?' e só depois, e eventualmente, 'o que fazes?'.
O "cargo", a "empresa", o "status" têm raízes profundas numa cultura servir por demasiado tempo e daí resulta que em várias circunstâncias, a mesma pessoa pateta ou pouco interessante ou pouco qualificada possa passar a ser uma pessoa com potencial, muito interessante e competente - tudo dependendo de "onde está". Façam esse exercício - escrevam numa folha o nome de pessoas que conhecem profissionalmente em lugares "importantes", noutra coluna escrevam honestamente o que pensam e sentem em relação a essa pessoa, e numa terceira coluna aquilo que comummente dizem ou ouvem dizer dela. Também vale fazer o exercício inverso - pensem em pessoas que (re)conhecem pelo que "fazem" e avaliem o que valem por isso mesmo e, já agora, como são (ou não) (re)conhecidas no mercado.
O que me leva ao tema do painel que moderei, sobre empreendedores sociais. A expressão pode soar a moda, mas a realidade é que há um movimento efectivo e determinado de pessoas "com potencial, interessantes e competentes" que optam por trabalhar no dito 3º Sector e viver profissionalmente as causas e as frustrações de quem lida com os problemas sociais. Contei com a participação no meu painel do Rui Martins, da Dianova, e da Sandra Almeida, da Fundação Aga Khan e esteve longe de ser um debate convencional ou monótono. O Rui levou até à audiência a estória de uma organização que consegue ajudar pessoas com problemas de drogas e não depender de caridade, aplicando os princípios da gestão e desafiando a criatividade diariamente. A Sandra trouxe-nos a frescura e a paixão de quem está a "fazer" algo porque simplesmente acredita. Como eles os dois, milhares de pessoas no mundo inteiro "estão a fazer" independentemente de "onde estão". E isso implica trabalhar com comunidades carenciadas, muitas delas invisíveis, um país de pessoas anónimas que só por mera graça da sorte ou do telejornal recebem honras e atenção. Em todos os outros dias, os Ruis e as Sandras estão lá, à procura de soluções, a procurar perceber como usar a criatividade própria de quem não tem nada e transformá-la em alguma coisa de positivo, a planear actividades e projectos com orçamentos em regras curtos e aquém do necessário, a explorar oportunidades e a aplicar ideias novas. E ainda, no fim de muitos dias, a usar uma dose extra de tempo, energia e motivação para superar as frustrações, os desencantos, o fim de linha e regressar no dia seguinte.
Se isto não é uma boa inspiração para qualquer empreendedor, qualquer gestor, qualquer líder, onde quer que esteja, definitivamente algo está muito errado.
Sobretudo, porque este movimento de empreendedorismo social é verdadeiramente transversal - está a acontecer um pouco por todo o mundo, é inter-geracional e conquista um número crescente de "cabeças" ao dito corporate world. O que atrai esta gente toda? Ser parte da solução em vez do problema, usar a criatividade e a capacidade para mudar realmente alguma coisa e sobretudo esse sentimento inexplicavelmente único de fazer bem.
A diferença face a outros tempos? São melhor preparados, trazem outras competências profissionais e pessoais e estão interessados em aplicá-las ao universo social. O que nos pode permitir sonhar que melhores tempos virão. Ah, uma pequena mas importante nota: é que também podem, como bem lembrou o Rui Martins, ter o Mercedes à porta. Afinal, também isso está a mudar e já não é pecado conseguir viver e trabalhar na área social e não passar o tempo de mão estendida.

1 comentário:

mulato disse...

Parabéns pelo blog! Está fantástico!

:-)