quarta-feira, 27 de maio de 2009

Na era do desemprego, criar empregos que façam as pessoas felizes

Este senhor, Patrick Dixon, é um profissional do ânimo. É isso que ele tem para vender. Ânimo, frases convincentes, casos da vida que fazem pensar. E, na boa escola americana, é um orador enérgico, dinâmico e interactivo.
Mas a verdadeira razão pela qual o vídeo vale a pena é outra. Talento, paixão, felicidade. Temas que se arriscam a entrar no clube da inovação - palavras que se usam por tudo e por nada, os famosos soundbytes que alguém ouviu alguém dizer que alguuém leu que alguém tinha escrito ... enfim, aquele círculo habitual das modas corporativas. Cujo único problema é, tantas vezes, ofuscarem com tanto barulho e show off os temas que em si mesmo são fundamentais e importantes para a vida das empresas e das pessoas.
A paixão pelo que fazemos é hoje um tema importante na vida de todos nós. O trabalho no conceito que a Revolução Industrial trouxe até ao século XX transformou-se progressivamente noutra coisa que não apenas sustento e pay off. Claro que em tempo de crise, com muitas empresas a abusarem da máxima "dêem graças por terem emprego" esta ideia parece quase tão romântica quantos os contos de Dickens da famosa era industrial, mas a crise irá passar e depois dela, como já antes dela, esta mudança de paradigma irá manter-se e aprofundar-se.
Hoje todos queremos fazer algo que gostemos de facto e que dê sentido ás 8-10-12 horas que tantas vezes passamos "no trabalho". E essa deve ser uma boa notícia para todos, patrões e empregados. É sobretudo uma boa notícia porque vai obrigar, também finalmente, a rever o conceito de "patrão" e de "empregado". É aqui que entra a igualmente na moda palavra talento. Talento é tão somente algo que fazemos bem, particularmente bem nos casos em que somos de facto muito bons. Os "vendedores" de talento antecipam uma geração inteira de talentosos - o reality check será um pouco diferente no mínimo. Hoje como ontem, uns terão garantidamente com muito talento, outros algum e outros nenhum. A novidade é que todos estão hoje empenhados em encontrar aquele algo que fazem melhor e que os pode fazer sentir melhor no desempenho do seu "trabalho" e na sua vida em sociedade.
E essa é, sem dúvida, uma dimensão entusiasmante do mundo em que vivemos. A má notícia está nos números: não há emprego para muitos e bons empregos, empregos que façam as pessoas felizes, menos ainda. Estaremos condenados, uma vez mais, à lei de Darwin ou seremos nós capazes de inventar uma nova evolução?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

É mais fácil manter o carácter do que recuperá-lo

Ética é uma palavra essencial. Não apenas para os negócios, não apenas para as empresas ou para os gestores. Essencial para todas as dimensões que envolvem a condição humana.
O filme "The International" em exibição nos nossos cinemas traça uma história de crime organizado à escala global. Muitos verão o filme e pensarão que são "coisas que acontecem lá fora". Não sendo propósito discutir, não neste post, se a corrupção e a intimidação mudam de nome por serem maiores ou mais pequenas, há um sentimento de impunidade que nos incomoda a todos.

Como eram todos eles nos bancos da escola? Estas pessoas que em pequena ou grande escala manipulam interesses e condicionam efectivamente uma imensa maioria. Todos chamaram pela mãe a meio da noite e levaram reguadas da professora? O que condicionou crianças a tornarem-se adultos cegos por poder e controlo?

A verdade que podemos mais temer é que todos nós podemos ser esses pequenos homens e mulheres que tanto odiamos quando vimos na tela. É o poder que nos molda ou somos nós que lhe ditamos uma natureza? O dinheiro, é sabido, é um bom servo e um mau senhor, mas onde pára a legítima ambição e começa a cegueira impune?

Quando o leão mata, o chacal é quem lucra. A frase é de uma crueza notável e certeira. É que o leão mata para viver, para alimentar os seus, para, de acordo com a sua natureza, manter a sustentabilidade do seu clã. A matança é legitimada assim. O chacal espera e deleita-se.

Ética é cultura. É conhecimento do bem e opção deliberada. temos de ser cultos se queremos ser livres. A virtude é uma palavra fora-de-moda, mas cheia de humanidade. Na prática, importa a vontade para fazer bem e a competência para fazer bem. E, não é prémio de consolo, tenhamos pena daqueles que não dominam esse conceito. E, por via das dúvidas, levemos a sério as palavras de um dos personagens do The International: é mais fácil m,anter o carácter do que recuperá-lo.

terça-feira, 5 de maio de 2009

As pessoas que estão no topo não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais

É preciso toda uma aldeia para criar uma criança. O provérbio é de sabedoria antiga, mas o último livro de Malcolm Gladwell trouxe-lhe não apenas uma roupagem contemporânea, mas uma solidez intelectual e prática que nos obriga a reflectir e, assim o saibamos, a agir. "Outliers", o mais recente livro do jornalista do New York Times, propõe-nos uma viagem através dos tempos e das sociedades com o propósito de compreendermos a história do sucesso. Não se trata de um percurso expositório ou de uma narrativa consumada; pelo contrário, é sempre um desafio ao nosso devir e às nossas certezas presentes. Começando pela mais óbvia e generalista de todas em matéria de sucesso: aquela que nos faz acreditar que o sucesso chega aos eleitos, pessoas à letra extra-ordinárias, proprietárias de talentos ou dons que as distinguem dos comuns.

Escreve o autor:
"Durante quase toda uma geração, psicólogos em todo o mundo envolveram-se num animado debate em torno de uma questão que a maioria de nós consideraria estar já resolvida há muitos anos.
A questão é esta: haverá algo que possa ser considerado um talento inato? A resposta óbvia é sim. (...) A realização é o talento mais a preparação. O problema desta perspectiva é que quanto mais os psicólogos examinam a fundo as carreiras do dotados, menor o papel que parece desempenhar o papel inato e maior o contributo da preparação."

A partir daqui, somos levados pela mão e entramos no universo de Bill Gates, dos Beatles, de Robert Oppenheimer, dos grandes advogados judeus de Wall Street e dos camponeses dos arrozais do Sul da China. Que têm muito mais em comum do que possamos imaginar, sobretudo quando os avaliamos na perspectiva do sucesso.

De regresso ao autor:
"... as pessoas que estão mesmo no cume não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais.
Esta ideia – de que a excelência numa actividade complexa exige um nível mínimo e crucial de prática – reaparece continuamente em estudos sobre perícia. De facto, os investigadores chegaram àquilo que consideram ser o número mágico da verdadeira proficiência: dez mil horas.
(...) o retrato resultante de tais estudos é de que são necessárias dez mil horas de prática para se conseguir um nível de mestria correspondente a ser-se um perito de nível mundial – seja no que for (...) Estudos atrás de estudos, sobre compositores, basquetebolistas, escritores de cãoção, patinadores de gelo, pianistas de concerto, xadrezistas, criminalistas e o que se quiser, este número aparece reiteradamente. (...) Aparentemente, o cérebro necessita deste período de tempo para assimilar tudo o que é preciso saber para se atingir a verdadeira mestria”.

A prática não é o que se faz quando se é bom. É o que se faz para nos tornarmos bons.
E aqui o papel de pais, professores, patrões e todo o legado cultural que herdamos de quem nos antecedeu e que depositamos em quem nos seguirá é absolutamente determinante.


O livro de Gladwell é um extraordinário elogio do trabalho. Numa época em que as vozes mais sensatas apelam a que se repensem valores para que possamos efectivamente mudar e melhorar, vale a pena pensar nisto.