domingo, 5 de julho de 2009

Emigrantes digitais ultrapassam os nativos digitais - ou seja, os pais já estão mais na internet do que os filhos. Ainda não em Portugal

Na sexta-feira teve lugar na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa a apresentação do estudo EU Kids Online, coordenado em Portugal pela Professora Cristina Ponte, que ao longo de 3 anos avaliou a forma como crianças e jovens da União Europeia se comportam "na" e "com" a Internet.
Primeira novidade, apesar de relativamente expectável: as crianças entram cada vez mais cedo "rede"; o pique de entrada eram os 12-13 anos, em 2005, hoje são os 10-11 anos. Há cada vez menos diferenças entre rapazes e raparigas, mas em contrapartida os estudos indicam que podem acentuar-se diferenças em função do nível socio-económico da família.
Novidade a fazer pensar é que, no âmbitos dos 27 países da UE, em média, já são mais os pais do que os filhos a usar a internet (84% versus 75%, invertendo a anterior tendência de 66% para 70%). A geração de "emigrantes" digitais bate pela primeira vez os "nativos" digitais. Portugal é uma excepção à regra neste domínio - por cá, ainda são os filhos quem mais usa a internet.
O que fazem as crianças e os jovens online? Aquilo que quem acompanha mais de perto esta realidade sabe ou suspeita (seja como pai, educador, investigador ou mero cidadão observador), mas que muitas famílias ignoram: entretenimento jogos e diversão; comunicação online, redes sociais e troca de experiências; obtenção de informação e recursos educativos. O que o estudo EU Kids Online nos deixa para pensar é o facto, também apurado, de que os pais "subestimam" o papel da internet enquanto meio de socialização através, nomeadamente das redes sociais, e também a vertente de entretenimento e "sobrestimam" a componente informativa/ educativa. A coordenadora do estudo, Sonia Livingstone, da London School of Economics, fala de uma "escada de oportunidades" que vai da procura básica de informação, aos jogos e email, ao Instant Messenger e ao uso criativo/upload.
Entre os riscos mais comuns, também estão os que se esperam. Dar informação de carácter pessoal lidera a lista, segue-se o risco da pornografia, conteúdos violentos, comentários sexuais, ser importunado online e encontrar-se com alguém que conheceu na net. Por género, os investigadores descortinam que os rapazes são mais passíveis de ser expostos a conteúdos pornográficos e/ou violentos, dão mais facilmente informação pessoal e é mais fácil que se encontrem com alguém que conheceram online. As raparigas, por seu lado, são mais disponíveis para correr o risco de falar online com estranhos, recebem mais comentários sexuais e pedidos de informação pessoal. À medida que sobem na idade, os riscos também crescem. Portugal está no grupo de países considerados de risco médio, em termos globais; Inglaterra, Holanda, Noruega e os novos países do Leste estão no grupo de risco mais elevado.
O professor José Alberto Simões, da FCS, que apresentou o estudo, lembra a propósito que "é preciso correr riscos para ter oportunidades" e toda a conferência decorreu sob o tema, patente ou latente, do não alarmismo e da devida contextualização dos chamados "perigos" da internet.
Os investigadores chamam ainda a atenção para o facto de continuar a existir pouca informação sobre os novos conteúdos e as novas plataformas, nomeadamente o telemóvel e estão convencidos que, em Portugal, muitos dos pais não fazem ideia do que os filhos fazem online.
A psicóloga Margarida Matos, da Faculdade de Motricidade Humana, sublinhou a necessidade de ser ter cabeça fria - sem exacerbar medos e perigos. "O adulto actual está a viver uma viragem histórica, talvez só comparável com a da invenção da escrita, porque não pode ser modelo para a geração que vem atrás", dizia. Mas, acrescentou, "não esqueçamos a experiência". E que melhor exemplo que o dos seus alunos universitários, literalmente "afundados" em informação, com centenas de PDFs que nunca conseguirão ler e que precisam da ajuda da experiência (professor) para saber organizar um trabalho.
No capítulo dos medos e mitos, as redes sociais também devem ser vistas como oportunidades para cada jovem "abrilhantar" as qualidades sociais, da mesma maneira que os jogos desenvolvem a percepção, liderança, observação. E, last but not the least, o nível educacional, que é mais importante do que o dinheiro quando se trata de saúde pública, também na protecção na internet parece desempenhar o mesmo papel.
A tecnologia não é nada óbvia, reiterou o professor Manuel Pinho, da Universidade do Minho, frisando uma ideia cada vez mais evidente: "não basta aceder à internet; é um requisito, mas está longe de significar sucesso".

Recomendações para políticas públicas
Do estudo EU Kids Online resultou um conjunto de recomendações que envolvem Governos, famílias, escolas, cidadãos e empresas.
- O grau de difusão da internet influencia, naturalmente, o acesso por parte de crianças. Quando o acesso se generaliza esbatem-se as diferenças socio-económicas e promove-se maior igualdade;
- As políticas de e-inclusão devem incidir sobretudo em países em que o uso da internet por parte de crianças é ainda baixo, como Itália, Grécia e Chipre;
- A fluência em língua inglesa tende a ser superior na Europa do Norte - é possível que um maior acesso ao conteúdo em língua inglesa aumente tanto as oportunidades como os riscos;
- Existem indicações que a presença de um forte serviço público audiovisual ou de outros fornecedores públicos de conteúdos para crianças desempenha um papel importante;
- O excessivo foco mediático sobre os riscos online e não sobre as oportunidades pode aumentar a ansiedade dos pais face ao uso da internet pelas crianças; a combinação em alguns países desta ansiedade com a baixa utilização por parte dos pais pode exacerbar a noção dos perigos;
- Pouco se sabe sobre os modos como a cultura de pares medeia a utilização da internet pelas crianças;
- Equilibrar a capacitação e a protecção é crucial; as estratégias para diminuir os riscos podem restringir as oportunidades, podendo prejudicar os direitos das crianças ou limitar a sua aprendizagem para lidar com um determinado grau de risco

Recomendações sobre Riscos
- Há boas razões para reforçar a regulação em toda a Europa, uma vez que grande parte das crianças estão a encontrar riscos em conteúdos, contactos e condutas
- Deve ser estimulada uma disposição auto-reguladora na melhoria da segurança das ciranças (da mesma forma em que as crianças só podem ser ensinadas a atravessar a estrada onde os condutores e a condução estejam cuidadosamente regulados)
- Quando aumenta o acesso nacional à internet, aumenta a auto-regulação por parte da indústria, incluindo o fornecimento de informações seguras pelos ISP
- Prioridades para futuras acções de sensibilização: Portugal não sendo de risco elevado figura nesta lista por se enquadrar no grupo de países onde o acesso crecseu muito mais rapidamente que as competências e pelo facto de as crianças usarem mais a internet que os pais
- As acções de sensibilização devem centrar-se em crianças mais novas e em novos riscos associados a novos conteúdos/novas plataformas


Para saber mais sobre o EU Kids Online:
http://www2.fcsh.unl.pt/eukidsonline/

Para uma perspectiva sobre o papel dos pais na relação das crianças com a Internet:
http://vitormagalhaes.com/index.php/2009/04/09/magalhaes-parte-2-controlo-parental-e-os-futuros-infoexcluidos/

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