terça-feira, 5 de maio de 2009

As pessoas que estão no topo não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais

É preciso toda uma aldeia para criar uma criança. O provérbio é de sabedoria antiga, mas o último livro de Malcolm Gladwell trouxe-lhe não apenas uma roupagem contemporânea, mas uma solidez intelectual e prática que nos obriga a reflectir e, assim o saibamos, a agir. "Outliers", o mais recente livro do jornalista do New York Times, propõe-nos uma viagem através dos tempos e das sociedades com o propósito de compreendermos a história do sucesso. Não se trata de um percurso expositório ou de uma narrativa consumada; pelo contrário, é sempre um desafio ao nosso devir e às nossas certezas presentes. Começando pela mais óbvia e generalista de todas em matéria de sucesso: aquela que nos faz acreditar que o sucesso chega aos eleitos, pessoas à letra extra-ordinárias, proprietárias de talentos ou dons que as distinguem dos comuns.

Escreve o autor:
"Durante quase toda uma geração, psicólogos em todo o mundo envolveram-se num animado debate em torno de uma questão que a maioria de nós consideraria estar já resolvida há muitos anos.
A questão é esta: haverá algo que possa ser considerado um talento inato? A resposta óbvia é sim. (...) A realização é o talento mais a preparação. O problema desta perspectiva é que quanto mais os psicólogos examinam a fundo as carreiras do dotados, menor o papel que parece desempenhar o papel inato e maior o contributo da preparação."

A partir daqui, somos levados pela mão e entramos no universo de Bill Gates, dos Beatles, de Robert Oppenheimer, dos grandes advogados judeus de Wall Street e dos camponeses dos arrozais do Sul da China. Que têm muito mais em comum do que possamos imaginar, sobretudo quando os avaliamos na perspectiva do sucesso.

De regresso ao autor:
"... as pessoas que estão mesmo no cume não trabalham apenas mais ou mesmo muito mais que os outros. Trabalham muitíssimo e muitíssimo mais.
Esta ideia – de que a excelência numa actividade complexa exige um nível mínimo e crucial de prática – reaparece continuamente em estudos sobre perícia. De facto, os investigadores chegaram àquilo que consideram ser o número mágico da verdadeira proficiência: dez mil horas.
(...) o retrato resultante de tais estudos é de que são necessárias dez mil horas de prática para se conseguir um nível de mestria correspondente a ser-se um perito de nível mundial – seja no que for (...) Estudos atrás de estudos, sobre compositores, basquetebolistas, escritores de cãoção, patinadores de gelo, pianistas de concerto, xadrezistas, criminalistas e o que se quiser, este número aparece reiteradamente. (...) Aparentemente, o cérebro necessita deste período de tempo para assimilar tudo o que é preciso saber para se atingir a verdadeira mestria”.

A prática não é o que se faz quando se é bom. É o que se faz para nos tornarmos bons.
E aqui o papel de pais, professores, patrões e todo o legado cultural que herdamos de quem nos antecedeu e que depositamos em quem nos seguirá é absolutamente determinante.


O livro de Gladwell é um extraordinário elogio do trabalho. Numa época em que as vozes mais sensatas apelam a que se repensem valores para que possamos efectivamente mudar e melhorar, vale a pena pensar nisto.

7 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente esta regra não se aplica a este país (?) chamado Portugal...

Raquel disse...

Gostei especialmente destas frases, "A realização é o talento mais a preparação" e "A prática não é o que se faz quando se é bom. É o que se faz para nos tornarmos bons." Isto é mesmo mesmo verdade!
Realmente existem casos em que isto não se verifica, mas, especialmente nesta altura do campeonato, não vale a pena dar importância...
Tenho um blog de livros, vou sugerir este! Obrigada!

N. Figueiredo disse...

dando continuidade do estimado anónimo anterior, diria que não se aplica em Portugal porque o tuga tem uma tendência natural para encontrar atalhos acabando por chegar ao topo antes do tempo mínimo para realmente ser bom. E pronto, ai temos o país que temos, cheio de chicos espertos nos lugares de topo a todos os níveis.

Rute Sousa Vasco disse...

Esta é uma discussão que, de facto, deveria ser feita a um nível alargado. Serão poucos os portugueses que não partilham este sentimento sobre a deficiente relação esforço/recompensa que existe em Portugal. E, sim, existem os chicos-espertos, existirão sempre. Penso, todavia, que o desafio que se nos coloca é conseguirmos, na nossa geração e nas que vierem para a frente, fazer uma verdadeira revolução cultural. Começando por cada um de nós, acreditando no nosso valor e no valor do trabalho que realizamos para sermos bons e melhores, não premiando a chica-espertice quando estamos em posição de avaliar o que também implica não ceder à tentação dos "fast results" e dos sound bytes. Parece fácil, mas não é mesmo nada fácil! Haja coragem e persistência.

Carlos Nobre disse...

É uma frase interessante. Mas trabalhar "muito mais" não deve significar a maluqueira dos dias de hoje de trabalhar "muito mais horas"... deverá significar trabalhar melhor com mais qualidade. Hoje confunde-se a quantidade com a qualidade. Não é por trabalhar mais horas que um profissional se irá tornar melhor. Deve-se trabalhar com mais qualidade, e isto aplica-se a todos.
Por isso concordo, quem chega ao topo trabalhou muito mais. Mas até pode ter trabalhado menos tempo, mas melhor.

Unknown disse...

Do meu ponto de vista e experiência diria que existem as mais diversas razões para as pessoas se encontrarem no topo e a maioria delas não passam por trabalhar muitissimo mais que os outros. Isso é claro, a título de exemplo basta pensar nos famosos Jobs 4 the boys dos governos. Eu não digo que não haja pessoas que estão no topo por mérito e capacidade de trabalho, no entanto não é essa a principal caracteristica que as levou lá.

Marlene Conraria disse...

Esta deveria ser a regra, para justificar as exorbitantes diferenças salariais que existem entre o topo e a base da pirâmide. Concordo plenamente com este princípio!

Mas isto é a teoria, a prática mostra-nos outra realidade. Se assim não fosse não haveria em Portugal um rede tão densa de micro e pequenas empresas, de pessoas que estavam na base (ou pelo meio) e não conseguindo distinguir-se do topo decidiram tornarem-se elas mesmas o topo.