domingo, 29 de março de 2009

Proteínas, vitaminas e outras estórias da economia do mundo


Há casualidades felizes e esta foi uma delas. Ontem cheguei de Londres e em cima da mesa de cabeceira encontrei um livro comprado há algum tempo e que estava na lista daqueles, que infelizmente são bastantes, que ainda não foram lidos e quase não manuseados. “Alimentação saudável, alimentação segura”, da professora Isabel do Carmo, foi decerto comprado num daqueles acessos, frequentes nas mulheres, de tenho-de-perder-5-quilos. Pelo título e pela autora, foi porventura um dos acessos racionais o que se poderia traduzir em “tenho-de-aprender-a-comer-como-deve-de-ser-para-perder-5-quilos” e não “tenho-de-perder-5-quilos-numa-semana”.
O que importa, na realidade, é que o livro é muito mais do que isso. Uma verdadeira abordagem holística ao mundo dos alimentos que nos leva numa viagem pela história, economia, religião e politica para assim nos fazer compreender o valor e significado do que comemos.
Alguns exemplos da sua extraordinária contemporaneidade com os temas da economia internacional. Sobre a soja. A soja é o cereal mais cultivado nos Estados Unidos cujo marketing tratou de lançar eficientemente como produto de consumo. Como o fez? Associando a soja a um estilo de vida oriental, new age e colando dessa forma o alimento a uma dieta saudável e equilibrada. Particularidade: nos anos 60, a Índia cultivava 0% (zero!) de soja. Em contrapartida cultivava hectares e hectares de flor de mostarda a partir do qual é produzido o óleo de mostarda. Em 1998, a mesma Índia já cultivava 6 milhões de hectares de soja e tinha reduzido para metade a produção de mostarda. Nesse mesmo ano, em Julho é anunciada a importação no Rajasthan de 1 milhão de toneladas de soja. Dois meses depois, em Setembro, uma tragédia mata 41 pessoas e afecta outras 2300 por causa do consumo de mostarda. A tragédia chamava-se hidropisia e atingia fígado, rins e pulmão e morte por insuficiência cardíaca. Mulheres de vários bairros indianos criaram movimentos para defender a produção local de mostarda face à soja e a associação de produtores do Rajasthan insistiu na existência de conspiração. Como diz a professora Isabel do Carmo, à Índia e a à China “inventaram-lhes” a soja e hoje a percepção da sua orientalidade é para muitos um dado adquirido.

Mudando de continente e de factoide, vamos ao porco. Curiosamente transformado pela história dos alimentos em símbolo de união de muçulmanos, judeus e cristãos. Quem diria! Para os dois primeiros trata-se desde o princípio dos tempos de um animal impuro e o papa Gregório III declarou, séculos mais tarde, igual sentença para os católicos. A culpa não é do bicho, está bom de se ver, cuja carne é bem gostosa, mas sim da triquinose, um parasita passível de liquidar a 70ºC de temperatura..

De volta à história, chegamos à génese do pão. O primeiro cereal cultivado foi o sorgo que ainda hoje mata muita fome em terras esquecidas. Na China era cultivados desde 2800 .c.. O trigo era colhido desde a revolução neolítica por chineses e depois egípcios mas terão sido os sírios os primeiros a plantar a sua semente. O Antigo Egipto é aceite como a primeira pátria do pão cuja importância na vida dos povos foi de tal ordem que o salário de um trabalhador rural era pago em 3 pães e 2 cervejas. E os que não tinham trabalho ... estendiam a mão a pedir pelo pão. Mais curiosidades: a 1ª greve pelo pão acontece também no Egipto. Jesus nasce em Belém – Beth-lehem que significa casa do pão e a oração que ensina pede o pão nosso de cada dia numa época em que a muitos faltava o alimento.

De regresso ao presente, Isabel do Carmo leva-nos a reflectir sobre o flagelo da obesidade, nomeadamente nas crianças e o papel do grande consumo na prevenção dos hábitos alimentares. A revista médica The Lancet lançou uma campanha de alerta contra marcas como a Pepsi que usa figuras como o futebolista David Beckam ou a estrela pop Britney Spears, ou as batatas fritas Walkers promovidas por Gary Linecker e as Pizza Domino que patrocinam a série infanto juvenil The Simpsons. Está tudo ligado na grande roda dos alimentos e da vida.

A propósito da vitamina C, a autora conta a história corajosa de Linus Pauling, o único laureado com 2 prémios Nobel, o da Química, em 1954, pela descoberta da estrutura das proteínas, e o da paz, em 1962, pelo combate anti-nuclear. Dele, Einstein diza que era um génio e a vitamina C foi um doa alvos das suas pesquisas e, mais do que isso, da sua utilização em doses superiores às 60 mg ainda hoje recomendadas. Pauling morreu aos 93 anos e a informação sobre o seu trabalho pode ser encontrada no site do Instituto Linus Pauling.

Todas estas estórias são excelentes aperitivos para o prato servido por Isabel do Carmo. De onde ficamos a saber que as natas são menos gordas que a manteiga, que a carne picada deve ser cozinhada de imediato e que devemos desconfiar dos bifes que se enrolam na frigideira (significa que estão a perder água e isso é sinal de uso de hormonas na alimentação dos animais). Boas notícias para economia e para a barriga quando se sabe que Portugal é o pais da Europa que consome mais peixe, bem como no que respeite ao tomate, trazido até nós por aztecas e maias, e hoje o fruto mais produzido no mundo.

Este vídeo foi produzido por alunos do 12º ano da Escola Garcia da Orta, no Porto

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