Na edição de sábado, 28 de Março de 2009, José Vítor Malheiros entrevistou no PÚBLICO Gordon Torr, que durante mais de 20 anos foi director de criatividade da J. Walter Thompson e antes disso, talhante, professor de liceu e jornalista (não necessariamente por esta ordem).
Gordon Torr começa por se afirmar desiludido cada vez que liga a televisão ou abre jornal. Diz que o conhecimento existente e os recursos tecnológicos deveriam estar a gerar uma verdadeira era de ouro na criatividade multimédia e isso não acontece. Que o YouTube tem volume, mas não tem qualidade. E que, por paradoxal que possa parecer, a “culpa” deste estado das coisas pode estar no endeusamento da criatividade (tal como da inovação) que, na realidade, se traduz na sua banalização.
E este é um ponto muito interessante de se discutir. O especialista de criatividade não acredita que todas as pessoas sejam igualmente criativas ou que possam, desde que estimuladas e/ou ensinadas, ser igualmente criativas. E esse tem sido um discurso recorrente nos últimos anos, como parte da construção de uma sociedade de inovação e criatividade. Ou seja, para termos mais e mais recursos criativos, transformamos a criatividade numa commoditie acessível a todos. Fará isto sentido?
Diz Torr: “As empresas não gostam de inovação. A cultura empresarial detesta mudança seja de que tipo for e toda a criatividade é mudança”. Honestamente, alguém pode discordar em absoluto? Generalizações e episódios são perigosos na justa proporção, mas não resisto a contar brevemente a estória do “funcionário” cinzento – que toda a vida será funcionário cinzento – mas que um dia por bons ofícios numa grande empresa recebe como prémio coordenar ... uma equipa de criativos. E se no capítulo coordenação, a nomeação poderia ter tropeçado na competência, a realidade é que à semelhança de tantos outros, uma vez nomeado, o “funcionário” acha-se ele próprio um criativo e começa a ter ideias que são, como todos também sabemos, o mais fácil de se ter. Difícil é que façam sentido, sejam consequentes e sobretudo signifiquem algo de novo para alguém –no caso das empresas, o público a quem se destinam.
Regressando à entrevista de Gordon Torr: “A inovação que as empresas gostam é acrescentar uma quinta lâmina na máquina de barbear. E a grande inovação do ano que vem será acrescentar uma sexta lâmina. Não é criatividade, não tem nada a ver com criatividade. As empresas tentam ter inovação sem criatividade. Porque a parte criativa da inovação é demasiado perigosa”.
Tanto mais perigosa, quanto os “tipos” com ideias diferentes podem ser, e são na maior parte das vezes, ameaçadores para a maior parte das organizações – “as nossas empresas não conseguem aceitar as pessoas mais inconformadas, as que resistem à autoridade”.
Podemos nos conformar com isto? Podemos deixar que os nossos melhores cérebros se percam no mundo empresarial por inaptidão para construir um percurso numa lógica empedernida de carreira e obediência?
Torr fala atambém de um trabalho realizado – “the ten year wait” que evidencia que artistas, músicos, pintores cientistas fazem o seu melhor trabalho depois de terem trabalhado numa determinada área durante 10 anos. As empresas não têm esse tempo – os ciclos são curtos, curtíssimos, correspondem aos famosos prémios dos anos fiscais ou, nas vistas um pouco mais largas, à duração de um mandato de gestão.
O xadrez fica ainda mais complicado quando se soma o factor incentivo. Para muitas organizações, atirar dinheiro a um problema continua a ser a forma de ter resposta. Problema! É que os mais diversos estudos mostram de que dinheiro é importante, claro que sim, mas vem depois de coisas que não custam dinheiro mas atitude: desafios, flexibilidade, continuidade nos projectos. Imagine-se só! Sem gastar um tostão podiam motivar-se engenheiros, professores, artistas, cientistas a dar o seu melhor.
Um nota mais para um tema que António Câmara abordou de forma muito concreta numa conferência proferida no Instituto Superior de Gestão. Dizia ele que o nosso sistema de ensino está focado em encontrar solução para problemas. Paralelamente, por norma, não se gosta nem um bocadinho daqueles que criam problemas. E essas são pessoas fundamentais, as que criam de facto novos paradigmas por identificarem situações antes de acontecerem e permitirem providenciar soluções antecipadas.
“... o Tim Berners-Lee não estava a tentar resolver um problema quando inventou a World Wide Web. Nem lhe tinham pedido para inventar a Web. Quando ele mandou uma nota ao seu chefe com as suas primeiras ideias sobre a Web, o chefe respondeu-lhe com outra nota: ‘vago, mas interessante’.
Dr. Vivek Murthy
Há 3 anos
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