domingo, 29 de março de 2009

"A parte criativa da inovação é demasiado perigosa"

Na edição de sábado, 28 de Março de 2009, José Vítor Malheiros entrevistou no PÚBLICO Gordon Torr, que durante mais de 20 anos foi director de criatividade da J. Walter Thompson e antes disso, talhante, professor de liceu e jornalista (não necessariamente por esta ordem).
Gordon Torr começa por se afirmar desiludido cada vez que liga a televisão ou abre jornal. Diz que o conhecimento existente e os recursos tecnológicos deveriam estar a gerar uma verdadeira era de ouro na criatividade multimédia e isso não acontece. Que o YouTube tem volume, mas não tem qualidade. E que, por paradoxal que possa parecer, a “culpa” deste estado das coisas pode estar no endeusamento da criatividade (tal como da inovação) que, na realidade, se traduz na sua banalização.
E este é um ponto muito interessante de se discutir. O especialista de criatividade não acredita que todas as pessoas sejam igualmente criativas ou que possam, desde que estimuladas e/ou ensinadas, ser igualmente criativas. E esse tem sido um discurso recorrente nos últimos anos, como parte da construção de uma sociedade de inovação e criatividade. Ou seja, para termos mais e mais recursos criativos, transformamos a criatividade numa commoditie acessível a todos. Fará isto sentido?
Diz Torr: “As empresas não gostam de inovação. A cultura empresarial detesta mudança seja de que tipo for e toda a criatividade é mudança”. Honestamente, alguém pode discordar em absoluto? Generalizações e episódios são perigosos na justa proporção, mas não resisto a contar brevemente a estória do “funcionário” cinzento – que toda a vida será funcionário cinzento – mas que um dia por bons ofícios numa grande empresa recebe como prémio coordenar ... uma equipa de criativos. E se no capítulo coordenação, a nomeação poderia ter tropeçado na competência, a realidade é que à semelhança de tantos outros, uma vez nomeado, o “funcionário” acha-se ele próprio um criativo e começa a ter ideias que são, como todos também sabemos, o mais fácil de se ter. Difícil é que façam sentido, sejam consequentes e sobretudo signifiquem algo de novo para alguém –no caso das empresas, o público a quem se destinam.
Regressando à entrevista de Gordon Torr: “A inovação que as empresas gostam é acrescentar uma quinta lâmina na máquina de barbear. E a grande inovação do ano que vem será acrescentar uma sexta lâmina. Não é criatividade, não tem nada a ver com criatividade. As empresas tentam ter inovação sem criatividade. Porque a parte criativa da inovação é demasiado perigosa”.
Tanto mais perigosa, quanto os “tipos” com ideias diferentes podem ser, e são na maior parte das vezes, ameaçadores para a maior parte das organizações – “as nossas empresas não conseguem aceitar as pessoas mais inconformadas, as que resistem à autoridade”.
Podemos nos conformar com isto? Podemos deixar que os nossos melhores cérebros se percam no mundo empresarial por inaptidão para construir um percurso numa lógica empedernida de carreira e obediência?
Torr fala atambém de um trabalho realizado – “the ten year wait” que evidencia que artistas, músicos, pintores cientistas fazem o seu melhor trabalho depois de terem trabalhado numa determinada área durante 10 anos. As empresas não têm esse tempo – os ciclos são curtos, curtíssimos, correspondem aos famosos prémios dos anos fiscais ou, nas vistas um pouco mais largas, à duração de um mandato de gestão.
O xadrez fica ainda mais complicado quando se soma o factor incentivo. Para muitas organizações, atirar dinheiro a um problema continua a ser a forma de ter resposta. Problema! É que os mais diversos estudos mostram de que dinheiro é importante, claro que sim, mas vem depois de coisas que não custam dinheiro mas atitude: desafios, flexibilidade, continuidade nos projectos. Imagine-se só! Sem gastar um tostão podiam motivar-se engenheiros, professores, artistas, cientistas a dar o seu melhor.
Um nota mais para um tema que António Câmara abordou de forma muito concreta numa conferência proferida no Instituto Superior de Gestão. Dizia ele que o nosso sistema de ensino está focado em encontrar solução para problemas. Paralelamente, por norma, não se gosta nem um bocadinho daqueles que criam problemas. E essas são pessoas fundamentais, as que criam de facto novos paradigmas por identificarem situações antes de acontecerem e permitirem providenciar soluções antecipadas.

“... o Tim Berners-Lee não estava a tentar resolver um problema quando inventou a World Wide Web. Nem lhe tinham pedido para inventar a Web. Quando ele mandou uma nota ao seu chefe com as suas primeiras ideias sobre a Web, o chefe respondeu-lhe com outra nota: ‘vago, mas interessante’.


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