quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A universidade dos pés descalços

É apenas um homem de média estatura em palco, sem grandes recursos audiovisuais nem cenários de suporte, à nossa frente no auditório da AESE, em Lisboa. Traz uma estória para contar. Como todas, começa … era uma vez.
Era uma vez um jovem de boas famílias que, na Índia dos anos 60, tinha frequentado as escolas mais conceituadas. “As melhores, mais caras e mais elitistas”. As mesmas por onde passaram ministros, primeiros-ministros (Indira Ghandi) e outros altos responsáveis indianos. Tudo concorria para que fosse, ele próprio, este homem que nos traz uma estória para contar, mais um desses altos responsáveis politicos ou económicos.
Corria o ano de 1965 e visitou pela primeira vez uma aldeia, na Índia rural. E, conforme relata, viu, pela primeira vez, fome, exploração humana, discriminação, miséria. Uma realidade que não se aprende em nenhum livro, menos ainda a solução para a mesma. No regresso ao conforto da casa de família informou a mãe que queria viver e trabalhar numa aldeia como a que conhecera. A mãe estremeceu e a família logo a tranquilizou: “deixa-o ir, são coisas de jovens, depois volta”.
A mãe esperou, esperou e o filho não voltou.
Quase 40 anos depois, Sanjit Bunker Roy, galardoado com o Tyler Prize (2004, EUA), ALCAN Award for Sustainability (2006 e considerado pelo jornal britânico “The Guardian” como um dos 50 ambientalistas capazes de salvar o planeta, tem não uma, mas muitas estórias para contar. Na aldeia para onde foi viver teve a ideia de criar “uma escola de pobres, para pobres e geridade pelos pobres”. Uma escola que privilegia os profisssionais entendidos como pessoas que têm “competências, confiança e convicção” e que são “aceites e respeitados pela comunidade”. Nasce assim o Barefoot College – à letra a Universidade dos Pés Descalços. Um local onde o grau de mestre ou doutorado não é reconhecido, nem vale de nada – “o que queremos é a pessoa, a humanidade, a compaixão”.
Sedeado na aldeia de Tilonia, no estado do Rajasthan – a Índia mais profunda e rural – o Barefoot College é hoje mais do que uma escola, uma abordagem global aos problemas do desenvolvimento. Tendo como premissa a preservação da sabedoria ancestral e a valorização do trabalho de cada membro da comunidade, o Barefoot desenvolveu iniciativas tão diversas quanto a recuperação de técnicas de captura e conservação da água das chuvas utilizando construções desenvolvidas pelos “arquitectos pés descalços” ou a abertura de uma escola nocturna onde as crianças, que durante o dia estão ocupadas a ajudar a família, pudessem aprender.

A luz da Índia
A formação de engenheiros solares e, muito em particular, engenheiras solares em comunidades sem recursos de leitura e de escrita é um projecto que já atravessou fronteiras. De Tilonia para 16 estados indianos e 9 países pobres – Afeganistão, Butão, Gâmbia, Serra Leoa, Mali, Mauritânia, Etiópia, Camarões e Bolívia. No total, mais 340 homens e mulheres receberam formação sobre como montar painéis solares para, com esse conhecimento, poderem electrificar as suas aldeias. Actualmente estão instalados cerca de 11 mil painéis solares e mais de 5 mil lanternas movidas a energia solar fazem chegar a electricidade a 125 mil pessoas em 3 continentes.
Bunker Roy considera este um projecto exemplar do ponto de vista dos Objectivos do Milénio: “cumpre as metas de pelo menos 7 dos 8 objectivos”. Uma das conquistas mais extraordinárias passa pelo envolvimento das mulheres nesta escola de engenheiros. Avós, mães e filhas saem das suas aldeias e vão durante 6 meses até Tilonia aprender a ser engenheiras. Há maridos que protestam, olhares desconfiados, insegurança das próprias. Mas quando voltam … “são tigres!”, exclama, sorrindo, o mentor do Barefoot College. No Afeganistão, país de tradições sociais e religiosas de grande rigidez, foram electrificadas 21 aldeias, num total de 900 casas. Dos 27 engenheiros solares, 7 são mulheres. Mulheres que hoje, rompendo com as barreiras convencionais, se sentam para discutir lado a lado com os homens e que respondem: “não estou aqui por ser mulher, estou aqui porque sou engenheira”.

Para quem queira passar por Tilonia, Bunker Roy deixa uma advertência: tem de ser capaz de estar 6 meses sem fazer absolutamente nada. Só ouvir, observar as pessoas, aprender com elas. E deixar para trás os três pilares da nossa vida moderna: ganhar dinheiro, ser bem sucedido e ser o primeiro.

“First they laugh at you, then they fight you, then you win”

Para saber mais:

Barefoot College

Bunker Roy


Sem comentários: