sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sobre amadores e campeões

Já se escreveu quase tudo sobre Tomaz Morais, os Lobos, e a estória de liderança que permitiu a um grupo de amadores sem dinheiro chegar aos grandes palcos da modalidade. Portanto, lapso meu, que ainda não tinha ouvido, ao vivo, o seleccionador nacional de rugby. Uma lacuna resolvida mediante o acompanhamento que o Videonomics está a realizar, entre 16 e 17 de Abril, ao Fórum RH 2009. Como foi a primeira vez que assisti a uma palestra de Tomaz Morais, não sei se nestes eventos para os quais tem sido solicitado ele é mais igual do que diferente ou o inverso. Mas sei que para mim, estreante, existiram coisas novas e coisas que constituem excelentes pistas para várias realidades das empresas e cada um de nós enquanto gestor da sua própria vida.
“A liderança acontece quando a equipa vai comigo para a guerra. Mas eu não sou sempre líder, porque não se trata de uma função. Posso ser líder neste momento e não o ser no momento seguinte”. Já todos fomos certamente liderados e muitos de nós, se não todos também, já lideraram em algum contexto. E de facto “ir para a guerra com alguém” é o melhor testemunho de mobilização e de capacidade de influenciar que se pode ter. Mas ninguém é super-homem, as equipas não são iguais, os contextos não são iguais, nós não somos sempre iguais. Entender a profunda humanidade do acto de liderar é o princípio primeiro, passe o pleonasmo, de exercitarmos esse músculo invisível da motivação. Que começa em nós mesmos.
“O adversário é a melhor coisas que nos pode acontecer. Porque nos obriga a dar o melhor de nós próprios. Muitas vezes o problema é que estamos mais preocupados em eleger um adversário dentro de casa, dentro da nossa própria equipa, do que lá for a. Se nos concentrarmos no adversário real, as nossas possibilidades sobrem significativamente”.
Esta é a triste novela de tantas empresas, equipas e projectos. Excelentes ideias, óptimas pessoas, resultados desastrosos ou pelo menos aquém do que poderiam ser pela simples razão que a energia foi gasta a combater homem a homem dentro de casa, deixando campo livre ao adversário.
“Um líder para ser líder tem de despertar a curiosidade. As pessoas têm de sentir que têm algo de novo a aprender ou para fazer com ele, têm de estar interessadas no que tem para lhes trazer. Se tenho jogadores a olhar para o chão enquanto falo estamos mal. Ganha-se olhos nos olhos e ninguém motiva ninguém por email”.
Gerir pessoas é cansativo e trabalhoso. Podemos usar todos os chavões da gestão e, no fim do dia, continuará a ser cansativo e trabalhoso. Mas só conseguimos ganhar com as pessoas a irem para a guerra connosco e as pessoas só vão para a guerra com alguém que conhecem, acreditam e com quem estabelecem contacto, emocional, pessoal. Gerir à distância, gerir pelos manuais, gerir por interposta pessoa é o pior dos erros. E aquele que nos impede de, depois de muito trabalho e algum cansaço, dizer na hora da vitória que, apesar de tudo, as pessoas continuam a ser o melhor do mundo.
Tomaz Morais falou ainda das decisões por intuição. Aquelas em pensamos sem pensar e que, culturalmente, foram injustamente desvalorizadas em décadas de pensamento analítico. Felizmente também aquelas que o avanço da neurociência nos tem vindo a mostrar são tão válidas senão mais válidas do que as apoiadas em números e factos. O que o nosso cérebro intui sem ter de analisar tem um valor precioso. Ler Damásio e Gladwell ajuda, por vias diferentes, a perceber porquê. Mas há que ter coragem de decidir por intuição. Como Tomaz assume que faz quando chega a hora de escolher quem vai entrar em campo.
Por último, e poderia vir em primeiro, estão os nossos valores. Aquilo em que realmente acreditamos. Vários excelentes profissionais, alguns deles gestores e líderes de equipa, em determinado momento foram vencidos pela manipulação e pelo jogo for a de campo. Acontece, desmoraliza, mas é um facto da vida. Outros profissionais, igualmente excelentes, são vencidos por uma unha negra, um erro de cálculo ou simplesmente porque o adversário era de facto melhor. “Podemos perder o jogo por um ponto, mas temos sempre hipótese de ganhar o próximo se não perdermos os nossos valores, aquilo em que acreditamos”.
Quem em nada acredita, mesmo quando ganha, continua a ser apenas e tão somente isso mesmo: uma peça que funciona, mesmo que nas regras erradas. Para os outros todos, que acredito são a maioria de nós, vale a frase que Tomaz Morais dirige aos treinadores adversários quando perde o jogo: “para a próxima é nossa”.

3 comentários:

Vitor Magalhaes disse...

Olá,

Tive o privilégio de assistir a uma das primeiras palestras do Tomás Morais no ano passado. Acredito que sim, que seja mais igual do que diferente , o que não é nem positivo nem negativo.

O que achei relevante no discurso, acaba por ser algo que tenho sentido cada vez de forma mais forte ao longo do meu percurso pessoal e profissional e que tem tudo a ver com o "amadores" do teu título.

É que uma das grandes mudanças desta nova era em que entramos acaba por ser a simplificação, o "back to the basics", em que, mais do que a teoria académica, vence a força do bom senso de quem lidera, ou melhor, usando o teu artigo, de quem mobiliza.

E este "back to the basics" estende-se a muito mais do que a mobilização. Estende-se aos próprios ciclos de produção, ao aproximar produtores e consumidores, simplificando, e muitas vezes eliminando, as cadeias de distribuição.

Por muito que se fale sobre as novas mudanças, sobre esta nova era, sobre redes sociais, sobre microblogging, e sobre todos os termos 2.0... continuamos apenas a demonstrar a tendência "humana" de complicar o que na verdade é simples.

Do amigo do norte,

../vitor

P.S.: vê lá a minha falha... ainda não tinha comentado nada no Videonomics!!! :)

Rute Sousa Vasco disse...

Olá Vítor,

Nem preciso de dizer o quão bem-vindo és ao Videonomics porque, na realidade, sinto que fazes parte da casa pelas razões todas que conheces.
A humanização na era das pós-máquinas é uma extraordinária vitória do nosso "eu"sobre tudo o que nos pode distrair do essencial. A forma como o Tomás falou das dúvidas, das discussões, dos medos - e também das convicções, dos actos de coragem e das vitórias - foi sobretudo esse acto de simplificação (ou será simplicidade?) de que falas.
Aliás, pormenor curioso que não referi no texto, ele começou por dizer que foi à procura do conceito de motivação nos manuais e que desistiu porque não tinha percebido nada!
Da amiga de Lisboa : )
Rute

Vitor Magalhaes disse...

Um pormenor "parvo" que me esqueci de contar no comentário anterior: quando assisti à palestra do Tomás Morais, ofereceram o livro sobre o percurso dos Lobos (foto reportagem), a que se seguiu a típica sessão de autógrafos.

Apesar de não ser muito fã de sessões de autógrafos, deixei-me ir.

Quando o Tomás me perguntou o nome, de repente a sessão de autógrafos fez sentido e disse-lhe: "Não quero que coloque o meu nome, quero que dedique o livro à equipe BySide e ao esforço e vitórias que temos pela frente". O Tomás sorriu, olhou com o gozo de quem tinha pela frente alguém que o "ouviu" e assinou com um sorriso.

A "equipa" BySide que não assistiu à palestra não percebeu a dedicatória mas o livro está lá.

Pronto... achei que devia contar.

../vitor